Igreja encobriu centenas de abusos sexuais

Um grande júri de um tribunal da Pensilvânia concluiu que pelo menos 300 padres católicos abusaram de mais de mil crianças ao longo de 70 anos e que a instituição escondeu tudo.

Bispos e padres responsáveis por dioceses da Igreja Católica no estado norte-americano da Pensilvânia encobriram, durante 70 anos, abusos sexuais generalizados. Foram mais de mil crianças abusadas por pelo menos três centenas de padres. É a conclusão a que chegou a investigação de dois anos por um grande júri de um tribunal estadual. E está a abalar os alicerces da Igreja no estado e no país.

«Os padres violavam rapazes e raparigas pequenos e os homens de Deus não fizeram nada; esconderam tudo. Durante décadas», pode ler-se no relatório da investigação. «Apesar de alguma reforma institucional, os líderes da Igreja escaparam à responsabilização pública», continua o documento. 

No relatório não faltam descrições de abusos sexuais. O de um padre que abusou de cinco jovens raparigas, todas irmãs, com a mais nova a ser abusada a partir dos 18 meses de idade. O de um  padre que confessou ter abusado de 15 rapazes, menores de sete anos; a violação de uma rapariga numa cama de hospital depois de ser operada às amígdalas por um sacerdote; ou a de um clérigo que amarrou uma rapariga e a chicoteou numa prática sadomasoquista. Há até quem tenha engravidado uma jovem adolescente e, confrontado, obrigou-a a abortar. Casos que por décadas foram escondidos entre as paredes da instituição. 

«Eles [bispos] protegeram a instituição acima de tudo o resto», garantiu o procurador-geral da Pensilvânia, Josh Shapiro, numa conferência de imprensa. Rodeado por mais de 20 vítimas e suas famílias, Shapiro afirmou que a «Igreja demonstrou um completo desdém pelas suas vítimas» e que a história do encobrimento «se estendia até ao topo da hierarquia do Vaticano». Uma dissimulação  que, segundo o relatório, chegou a ter até linguagem própria, como se os clérigos seguissem um «manual para encobrirem a verdade». Expressões como «contacto inapropriado» substituíam palavras como «violação». E sempre que um caso isolado se tornava público, os responsáveis da instituição nomeavam um padre sem competências de investigação e sem formação para lidar com casos de abuso sexual para estudar o assunto. Quando as provas contra os clérigos eram irrefutáveis, a instituição transferia-os para outras paróquias ou dioceses sem os responsabilizar. E as populações não eram informadas das razões da transferência. 

Divulgado o relatório e com as comunidades em choque, os bispos católicos da Pensilvânia emitiram um comunicado a pedir aos crentes para rezarem pela instituição e pelas vítimas. Todavia, há quem tenha vindo a público garantir que não houve qualquer ocultação pela Igreja. «Não houve qualquer encobrimento», disse o bispo Zubik em conferência de imprensa. «Acho que é importante frisá-lo. Ao longo dos últimos 30 anos temos sido transparentes sobre tudo o que de facto aconteceu», garantiu. No entanto, as dioceses de Greenburg e de Harrisburg foram acusadas pelo grande júri de tentarem anular as investigações. 

«Nos últimos cinco anos fui ter com dois bispos com denúncias de abusos. Ignoraram e desvalorizaram-nas», denunciou ao New York Times o reverendo James Faluszcazk, que sofreu abusos em criança. «Foi precisamente a gestão dos segredos que deu cobertura aos predadores sexuais», criticou. 

Manobra que terá contribuído para que muitos dos crimes referenciados no relatório já terem prescrito. «É bom que o público saiba disso, mas onde está a Justiça? Que vamos fazer em relação a isto? Porque não estão estas pessoas na prisão?», questionou Frances Samber, cujo irmão foi abusado e se suicidou em 2010.  

As três centenas de clérigos referenciados poderão ser apenas uma parte de um total bem maior. «Achamos que não os apanhámos a todos», admitiu o grande júri no relatório. «Muitas das vítimas nunca se chegaram à frente e as dioceses não redigiram relatórios escritos sempre que ouviam algo sobre abusos».