A terça-feira negra de Trump

Na mesma tarde, Michael Cohen e Paul Manafort foram considerados culpados de oito crimes. O cerco do procurador especial Mueller aperta-se em torno do presidente dos EUA.

A terça-feira negra de Trump

O cerco ao Presidente Donald Trump e aos seus mais próximos pelo procurador especial Robert Mueller aperta-se mais um pouco a cada dia que passa. Esta terça-feira, a Casa Branca foi apanhada desprevenida quando duas pessoas anteriormente próximas do chefe de Estado, Michael Cohen e Paul Manafort, foram culpados de oito crimes. 

Cohen admitiu ter fugido aos impostos e mentido aos bancos para obter empréstimos, mas o cataclismo surgiu quando o antigo advogado pessoal de Trump afirmou que o agora Presidente lhe ordenou que comprasse o silêncio de duas mulheres, Karen McDougal e Stephanie Clifford, atriz pornográfica cujo nome artístico é Stormy Daniels, que afirmam terem tido relações íntimas com Trump antes deste chegar à Casa Branca.  Se as suas histórias tivessem sido reveladas na altura, a campanha presidencial poderia ter sofrido um duro golpe. 

Trump pode ter incorrido num crime por, à luz da lei eleitoral norte-americana, o encobrimento ser considerado como uma tentativa de influenciar os resultados eleitorais. E se isso não bastasse, Cohen envolveu Trump no pagamento a um jornal, o National Enquirer, para que este não publicasse as histórias das duas mulheres. «Participei nesta conduta com o objetivo de influenciar a eleição», disse Cohen em tribunal, sob juramento. Nos últimos meses, Trump têm-se desdobrado em declarações a negar qualquer conhecimento ou envolvimento no pagamento às duas mulheres, mas os recentes factos tornado públicos contestam a sua versão. 

E se Cohen tentou arrastar consigo o atual chefe de Estado, Manafort, antigo diretor de campanha de Trump, não o fez. Limitou-se a declarar-se culpado de crimes que o envolvem só a si, nomeadamente esquemas financeiros para ludibriar os bancos e obter empréstimos milionários e fuga aos impostos, através de transferências para paraísos fiscais. Agora, arrisca uma pena de até dez anos de prisão. 

Tanto Cohen como Manafort fazem parte da estratégia de Mueller para cercar Trump. O procurador especial espera, com os crimes confessados dos próximos de Trump, levá-los a assinar acordos judiciais para verem as suas penas reduzidas em troca de informações sobre o Presidente dos EUA e suas atividades durante a campanha eleitoral de 2016. A investigação da interferência russa nas eleições ganha assim novos tentáculos. E Trump parece desconhecer donde poderá vir o próximo golpe. «A situação está a piorar para o Presidente – porque ninguém, incluindo ele, tem grande ideia sobre qual o próximo golpe a vir e em que frente», escreveu Benjamin Wittes, editor chefe do site Lawfare, num artigo de opinião no The Atlantic. 

Para o Presidente dos EUA, toda a investigação de Mueller não passa de uma «caça às bruxas» em conluio com os democratas, como já afirmou dezenas de vezes na rede social Twitter e em público. Sobre Cohen, limitou-se ao silêncio, ainda que mais tarde tenha escrito no Twitter que «se alguém estiver à procura de um bom advogado, sugiro que não contrate os serviços de Michael Cohen». Recorde-se que Cohen divulgou gravações de conversas que teve com Trump sobre o pagamento às duas mulheres, violando a confidencialidade advogado-cliente. Sobre Manafort, Trump reduziu-se ao silêncio, tentando evitar qualquer relação entre a sua condenação e a sua chegada à Casa Branca.

Fúria de Trump contra Jeff Sessions

Com o cerco a apertar-se, o Presidente começou a disparar contra os seus mais próximos. Um dos alvos foi o procurador-geral Jeff Sessions. Aproveitando uma entrevista ao canal televisivo Fox News, Trump defendeu que «deveria ser ilegal» os «delatores» receberem acordos em troca de testemunharem. Depois, aproveitou a oportunidade para atacar um dos seus grandes aliados. «Coloquei [no cargo] um procurador-geral que nunca assumiu o controlo do Departamento de Justiça», acusou Trump. E numa atitude incomum para ele, Sessions emitiu um comunicado recusando qualquer interferência política na sua atuação. «Assumi o controlo do Departamento de Justiça no dia em que fui empossado», respondeu Sessions, acrescentando que «enquanto for procurador-geral, as ações do Departamento de Justiça não serão influenciadas inapropriadamente por considerações políticas».

Se a questão poderia ter ficado por aqui, o Presidente levou-a mais longe . «Jeff, isso é ÓTIMO, é o que toda a gente quer. Então olha para a corrupção do ‘outro lado’, incluindo emails apagados, as mentiras e fugas de Comey, os conflitos de interesses de Mueller, McCabe, Strzok, Page, Ohr… Abusos da FISA, Christopher Steele e o seu falso e corrupto dossier, a Fundação Clinton, a vigilância ilegal da campanha Trump, o conluio dos democratas com os russos», escreveu no Twitter. «Vá lá Jeff, tu és capaz. O país está à espera», acrescentou.

Dificultando ainda mais a vida a Trump, Mueller conseguiu ganhar o apoio de um outrora grande apoiante do chefe de Estado, o proprietário do National Inquirer, David Pecker. Um dos jornais mais favoráveis ao Presidente, em risco de perder a proteção da lei da imprensa, viu-se obrigado a chegar a acordo com Mueller. Em troca de imunidade, Pecker dará informações sobre o envolvimento de Trump e Cohen no pagamento às duas mulheres. 

Com isto tudo, no entanto, é pouco provável que o Presidente seja acusado de algum crime. Há uma lei não escrita nos EUA de que o chefe de Estado não pode ser processado enquanto estiver no cargo. Além disso, a relação de forças no congresso é favorável aos republicanos o que torna muito difícil qualquer processo de impeachment. E a equipa legal de Trump já veio a público dizer que o procurador especial Mueller lhe garantiu que não irá alterar essa orientação. 

No entanto, todos estes escândalos poderão prejudicar os resultados eleitorais dos republicanos nas eleições intercalares para o congresso de novembro. Caso os democratas ganhem a maioria no órgão legislativo, poderão aproveitar a oportunidade para iniciar investigações sobre casos de corrupção e até audiências preliminares para o processo de impeachment. Possibilidade que o presidente Trump já teve em conta, ameaçando que caso seja alvo de um processo de destituição a economia norte-americana «colapsará». 

«Relembremo-nos que toda a questão é sobre o congresso e não sobre os tribunais», afirmou no Twitter Eric Columbus, advogado no Departamento de Justiça durante os mandatos de Barack Obama. «Quem pensar que Trump poderá enfrentar acusações criminais está a enganar-se a si próprio», acrescentou.