EUA. John McCain, patriota para uns, falcão para outros

O senador pelo Arizona e antigo candidato presidencial faleceu no sábado, vítima de um tumor no cérebro

Rebelde, herói e patriota, para uns; falcão militarista e cúmplice pela morte de milhares de inocentes pelo mundo fora, para outros. A vida do senador republicano John Sidney McCain III é indissociável da política norte-americana das últimas décadas. McCain faleceu, este sábado, no seu rancho de família, no Arizona, aos 81 anos, na sequência de um tumor no cérebro. 

“O senador John Sidney McCain III morreu às 4h28 minutos de 25 de agosto de 2018. Aquando da sua morte, o senador estava com a sua mulher Cindy e família. Serviu lealmente os EUA durante 60 anos até à sua morte”, anunciou a família do senador em comunicado. 

No Twitter, a sua mulher reagiu de forma mais pessoal: “O meu coração está partido. Fui tão felizarda por ter vivido a aventura de amar este homem incrível durante 38 anos. Faleceu da forma que viveu, nos seus próprios termos, rodeado pelas pessoas que amava no local que mais amava”.

E as reações políticas, num raro consenso bipartidário, não se fizeram esperar. “Víamos as nossas batalhas políticas como um privilégio, como algo nobre, uma oportunidade para servir como  representantes dos elevados ideais em casa e para os avançar no resto do mundo”, afirmou, em comunicado, o antigo presidente Barack Obama sobre o seu adversário nas presidenciais de 2008. “A nação chora a perda de um grande patriota norte-americano, um estadista que colocou o seu país em primeiro lugar e que enriqueceu esta instituição [o senado] durante vários anos de serviço”, disse o líder da maioria republicana no senado, Mitch McConnel. “Os EUA e a liberdade perderam um dos seus grandes campiões”, escreveu no Twitter o senador republicano Lindsey Graham. 

Neto e filho de almirantes da Marinha que comandaram tropas durante a II Guerra Mundial e na Guerra do Vietname, McCain optou pela carreira militar. Pilotou um caça até ser abatido, em 1967, sobre Hanói, Vietname do norte. Passou cinco anos num campo de prisioneiros de guerra dos Vietcong. Foi espancado, torturado e passou fome até ser libertado ao assinar uma confissão a repudiar a intervenção no pequeno país do sudoeste asiático. 

Regressado aos EUA, manteve-se na Marinha até 1981, quando se candidatou à Câmara dos Representantes pelo Arizona – e ganhou. Por aí se manteve até o cargo de senador pelo Arizona ficar vago, em 1986. Candidatou-se e ganhou – e nunca mais abandonou o senado. McCain candidatou-se por duas vezes à presidência dos EUA, em 2000 e 2008, sendo derrotado nas primárias republicanas por George W. Bush filho e nas presidenciais por Barack Obama, respetivamente. O sonho da sua vida – ocupar a Casa Branca – chegou ao fim em 2008. Em consequência, acusaram-no de ter aberto as portas ao populismo do presidente Donald Trump, ao escolher para candidata à vice-presidência Sarah Palin.

McCain foi um dos mais entusiastas da invasão do Afeganistão, em 2001, e do Iraque, em 2003, pelos EUA. Por causa do seu passado militar, sempre apostou numa política externa para expandir os valores norte-americanos pelo mundo. Os seus críticos acusam-no de ser cúmplice pela morte de milhares de inocentes nos países invadidos. Mais tarde, em 2011, apoiou a intervenção militar da NATO na Líbia. Também ficou conhecido por ser um dos mais fortes apoiantes da política israelita para a Palestina, defendendo os bombardeamentos israelitas na Faixa de Gaza, que causaram, em 2014 e 2015, centenas de vítimas civis, e chegou a afirmar que Washington “não deveria considerar” apoiar a formação de um Estado palestiniano e que, caso a ONU o reconhecesse, o Congresso “teria de examinar o financiamento da ONU”.

Na política interna, o republicano, que não hesitava em ir contra os membros do seu próprio partido, sempre se mostrou coerente e privilegiou as alianças bipartidárias. Votou sempre a favor da redução dos impostos e apelidava-se de “Republicano da Era Reagan”. Contrariando os seus correlegionários, chegou a votar a favor do controlo de armas – ainda que a lei fosse considerada limitada aos olhos de muitos. 

A sua última grande oposição aos republicanos aconteceu na votação sobre o Obamacare (programa de saúde público). Interrompeu o tratamento ao cancro e viajou dois mil quilómetros para votar contra a revogação da lei, argumentando que não estava a seguir os trâmites normais do órgão legislativo. Foi um duro golpe para os republicanos, que desde sempre quiseram pôr cobro à iniciativa de Obama, mas principalmente para o presidente Donald Trump. As relações entre McCain e Trump nunca foram amigáveis, com o segundo a dizer que o primeiro “não era herói de guerra” por ter sido “capturado”. McCain ripostou atacando o populismo de Trump, mas principalmente por querer encolher a participação militar dos EUA no mundo. Este mês, McCain ficou para a história por uma lei com o seu nome, que aumenta o financiamento do Pentágono em 11,5% (82 mil milhões de dólares), ter sido aprovada no Congresso. Trump referiu a lei sem ter feito qualquer alusão a McCain. No final, o senador decidiu que não gostaria de ter o chefe de Estado no seu funeral.