A austeridade estava certa ou errada?

A polémica em torno das declarações de Mário Centeno sobre as políticas de austeridade impostas pela troika à Grécia veio relançar o tema.

A austeridade estava errada em Portugal, como sempre disse Centeno na qualidade de ministro das Finanças português, mas estava certa na Grécia, como disse o mesmo Centeno na qualidade de presidente do Eurogrupo? 

Ainda hoje, a esquerda – e alguma direita – contesta as políticas aplicadas em Portugal entre 2011 e 2015, e continua a acusar Pedro Passos Coelho de ter imposto certas medidas quase por ‘maldade’.

Segundo os seus críticos, Passos Coelho quereria penalizar os portugueses por gastarem ‘acima das suas possibilidades’ – determinando, por isso, cortes a eito nos salários e pensões.

Era este o cenário até agora.

Mas as declarações de Mário Centeno de apoio à austeridade aplicada pela troika na Grécia vieram baralhar o jogo. 

Deixando de lado as contradições de Centeno, que se devem a razões políticas demasiado óbvias, a questão de fundo é esta: a austeridade (em Portugal ou na Grécia) estava certa ou estava errada?

Posso testemunhar que Passos Coelho aplicou a austeridade com toda a convicção.

Ele disse-me várias vezes que, independentemente das imposições da troika, a política que seguia era a política certa para os problemas tremendos que o país tinha para resolver.

E não estava sozinho nesse convencimento.

Quase 30 anos antes, entre 1983 e 85, perante dificuldades idênticas, Mário Soares e Ernâni Lopes pensavam exatamente o mesmo.

«Portugal habituou-se a viver, demasiado tempo, acima dos seus meios e recursos» – dizia Soares em 1984 e acrescentava: «Os problemas económicos são fáceis de explicar e a única coisa a fazer é apertar o cinto».

E pela mesma altura: «Anunciámos medidas de rigor e dissemos em que consistia a política de austeridade, dura mas necessária, para readquirirmos o controlo da situação financeira, reduzirmos os défices e nos pormos ao abrigo de humilhantes dependências exteriores, sem o que o país caminharia necessariamente para a bancarrota e o desastre». 

As afirmações de Soares não poderiam ser mais explícitas.

Donde deve concluir-se que, perante uma situação de iminente bancarrota, não há muitas receitas possíveis.

Não entrando em discussões técnicas – para as quais não estou habilitado, até porque não sou economista – há um raciocínio básico que pode ser feito.

Quais eram as razões profundas da quase bancarrota que Passos Coelho encontrou quando chegou ao Governo em 2011?

A resposta é simples: os gastos excessivos.

O Estado gastava em excesso e por isso endividava-se de modo galopante; as famílias e as empresas gastavam em excesso e pediam dinheiro emprestado aos bancos; os bancos, para emprestarem dinheiro, endividavam-se perante a banca estrangeira.

Assim, o Estado entrou quase em bancarrota, os bancos idem, e a dívida externa (ou seja, a dívida total do país, incluindo Estado e privados) atingiu valores insustentáveis.

Esta foi a raiz da questão.

Ora, dêem-se as voltas que se derem, façam-se as contas que se fizerem, se a causa da corrida para o abismo estava nos gastos excessivos, a primeira coisa a fazer era meter travões a fundo na despesa.

O Estado, as famílias e as empresas tinham de gastar menos. 

Tinham de «apertar o cinto» – como dissera Mário Soares.

E a forma mais rápida, mais direta e até mais séria de o Estado gastar menos – e levar as pessoas a gastar menos – era reduzir salários e pensões.

A prova de que as políticas de austeridade estavam certas foi a rápida recuperação da economia e do emprego nos últimos anos – ambas iniciadas, note-se, ainda no tempo do Governo anterior.

Num almoço em S. Bento, em princípios de 2013, no auge da crise, Passos Coelho mostrou-me no tablet um gráfico que representava a curva da evolução previsível do PIB português – onde se via que a tendência de queda se inverteria no final desse ano. 

Confesso que, na altura, não acreditei.

Pareceu-me uma previsão feita pelo Governo para se convencer a si próprio.

Mas foi isso mesmo que aconteceu.

E desde aí o PIB veio sempre a crescer.

Curiosamente, apesar dos cortes nos salários e nas pensões, a poupança dos portugueses atingiu o seu valor mais alto nos anos da troika – mostrando que havia folga no orçamento de muitas famílias.

Hoje, significativamente, apesar de se ganhar mais, poupa-se menos.

As famílias voltaram a consumir sem regras – e a endividar-se.

Os bancos voltaram a emprestar mais dinheiro – e o crédito, tanto à habitação como ao consumo, regressou a valores anteriores à crise.

Esperemos que o balão das dívidas não esteja de novo a encher perigosamente.