África, a evolução demográfica e o nosso futuro (2)

No primeiro artigo sobre este tema, demos conta da mais relevante novidade que o Population Survey das NU (2017) nos traz – o enorme crescimento da população da África subsariana, que deverá quadruplicar até 2100, num cenário de crescente concentração urbana. Com a população de Angola a crescer seis vezes (para c. 173 milhões) e…

No primeiro artigo sobre este tema, demos conta da mais relevante novidade que o Population Survey das NU (2017) nos traz – o enorme crescimento da população da África subsariana, que deverá quadruplicar até 2100, num cenário de crescente concentração urbana. Com a população de Angola a crescer seis vezes (para c. 173 milhões) e a de Moçambique a chegar aos 135 milhões no fim do século.

Este Survey das NU coloca desafios e abre inúmeras perspetivas em vários domínios relevantes para Portugal – no domínio económico, de política migratória, de política de segurança europeia, de política relativa à língua portuguesa, etc.

Em primeiro lugar vale a pena debruçar-nos sobre as perspetivas no domínio económico. Não pode haver qualquer dúvida que as necessidades de infraestruturas em África, vão aumentar significativamente. Vai haver necessidade de mais infraestruturas – quer físicas (alargamento ou novos portos, aeroportos, hospitais, escolas, barragens, pontes, estradas, ferrovias, rede elétrica, abastecimento e tratamento de águas, recolha e tratamento de esgotos, de lixo, etc.), quer soft (redes de telecomunicações, centros de armazenamento de dados, sistemas legais e regulatórios, formação profissional, software, serviços da mais diversa natureza). 

Do mesmo passo, existirá uma enorme procura por habitação condigna. E uma necessidade de gerar novos empregos, sobretudo nas camadas mais jovens.

 

Em vários destes domínios existem empresas portuguesas com experiência, expertise e rede em vários países africanos, que não apenas nos de língua oficial portuguesa. Durante as próximas décadas essas empresas portuguesas têm um mundo de oportunidades em África. É importante que enquanto país nos preparemos para essas oportunidades, seja a nível institucional, empresarial (empresas e associações empresariais, clusters, fileiras), académico, etc.

A nível institucional necessitamos de diligenciar para estar na primeira linha dos fora onde decorre a discussão sobre a estratégia respeitante às várias facetas do desenvolvimento de África e, sobretudo, em que se debate o tipo de projetos a priorizar e a apoiar financeiramente; e precisamos de ter gente competente a tratar destes assuntos.

Desde logo nos programas da UE como o novel Plano de Investimento Externo (EIP) com o novo Fundo Europeu para o Desenvolvimento Sustentável (EFSD); e noutros instrumentos que venham a ser criados sob a égide do Novo Consenso Europeu sobre o Desenvolvimento. Seguindo de perto as iniciativas nacionais e regionais que venham a ser desenvolvidas ao abrigo da ‘Agenda 2063’ da UA e do Programa para o Desenvolvimento de Infraestruturas em África (PIDA). 

 

Se Portugal quer ter um papel a desempenhar, e devíamos querer porque temos não só forte tradição mas também muitos interesses em jogo no continente africano, precisamos de ter uma postura mais comprometida, mais empenhada e não só ao nível dos discursos e dos ‘contactos políticos’. É necessário providenciar meios financeiros adequados para as agências e entidades públicas que trabalham neste setor e integrar esse trabalho com o que é desenvolvido pelas associações empresariais e as empresas que já têm presença e rede nos países africanos.

Por outro lado, é necessário apoiar os países africanos, sobretudo aqueles cuja população vai crescer de forma mais expressiva, a adotar medidas tendentes a melhorar o crescimento económico e o emprego inclusivo. Infelizmente vários destes países não têm tradição de planeamento económico no longo prazo e as políticas adotadas estão longe de ser conducentes à atração de investimento estrangeiro.

 

Uma das maiores dificuldades que se colocará relativamente à execução dos projetos que necessitarão de ser levados a cabo em África prende-se com o acesso a fundos. O rápido crescimento populacional em África e as necessidades que vai gerar vão tornar essa discrepância cada vez mais gritante. A necessidade de fundos para financiar estas necessidades adicionais – seja em infraestruturas, seja em habitação, seja para criar empregos locais em geral – será enorme. Ora, por um lado apenas uma parte muito diminuta do capital necessário é gerado em África. A insuficiência de fundos disponibilizados pela banca ou instituições financeiras domésticas africanas também não conseguirá ser complementada pelos fundos provenientes de instituições financeiras internacionais (IFI). Além disso, cada vez mais o financiamento de IFI está condicionado a que os projetos em causa sejam também financiados por instituições financeiras privadas, ou seja, que faça sentido em termos de mercado. Ora, já hoje assistimos a uma grande insuficiência de fundos (nacionais ou de IFI) para projetos importantes em infraestruturas ou para a revitalização do tecido empresarial dos [poucos] países africanos que fazem planeamento a longo prazo.

Por outro lado, o aumento de fundos/capitais disponíveis noutras geografias, com especial incidência na Ásia, vão fazer muitas corporações e investidores focar a sua atuação ou expansão noutros mercados. Se não for feito um esforço sério de mudança em muitos países africanos, as necessidades e o potencial de negócio continuarão lá mas não haverá financiamento disponível nem, muitas vezes, corporações com know-how e expertise disponíveis para abraçar estes desafios cruciais ao desenvolvimentos sustentado dos países africanos.

Por isso não é de estranhar que o primeiro pilar da ‘Parceria G20-África’ respeite ao ‘reforço do enquadramento para o financiamento privado e o investimento’.

 

A dificuldade de acesso a fundos é um problema com que já hoje se debatem as empresas portuguesas operando em África.

Precisamos de, por um lado, continuar a pressionar institucionalmente, e por todos os canais a que o Estado Português tem acesso, para que haja mais fundos e sejam criados novos mecanismos de financiamento disponíveis para projetos essenciais ao desenvolvimento de África.

E precisamos absolutamente de participar  em programas ambiciosos e com potencial de transformação estrutural como é o caso dos Investment Compacts que estão a ser desenvolvidos entre países africanos, parceiros do G20 e IFI ao abrigo da ‘Parceria G20-África’. É essencial que países da UE não membros do G20, como é o caso de Portugal, possam participar destes trabalhos e aceder a preciosa informação para as suas empresas e os seus interesses. Até ao momento, foram iniciados trabalhos com vista à celebração de Compactos de Investimento com ‘reform-minded African countries’ (no dizer do G-20 – v.  https://www.compactwithafrica.org/content/compactwithafrica/home.html), a saber: Benim, Costa do Marfim, Egito, Etiópia, Gana, Guiné, Marrocos,  Ruanda, Senegal, Tunísia e Togo.

A mensagem é clara – quem não tiver ‘intenções reformistas’ não terá acesso a estes Compactos de Investimento… Além de que, quem vier numa terceira ou quarta leva, provavelmente terá muito pouca margem de manobra para negociar…

Precisamos ainda de nos posicionarmos para poder ter melhor informação e mais atempada, relativamente a projetos em que as nossas empresas possam dar um contributo. Em especial, precisamos de ter uma melhor articulação entre a nossa diplomacia económica, as IFI e as nossas empresas de consultoria para estar presente nos projetos relevantes desde a fase inicial, preferencialmente desde os estudos de viabilidade. E devemos criar linhas especiais – mistas, cofinanciadas pelo Estado e por empresas relevantes – para financiar tais estudos, sobretudo quando se trate do passo prévio subjacente a adjudicações particulares.

E, a nível empresarial, é necessário que as nossas empresas continuem a tentar encontrar canais de financiamento diversificados e criativos e que cada vez mais façam parcerias internacionais com empresas que, pela sua origem ou pela sua dimensão ou outra razão, tenham robustez financeira que permita colmatar essa insuficiência. Não faltam grandes empresas por esse mundo fora com adequada capacidade financeira e interessadas em fazer parcerias com empresas portuguesas que têm expertise e rede em mercados africanos. Uma das grandes tarefas dos próximos anos é promover essas parcerias.

 

Os nossos principais bancos, por outro lado, ao mesmo tempo que vão reforçando a sustentabilidade do seu modelo de negócio e procurando uma rendibilidade sustentável, mantêm-se empenhados em acompanhar a internacionalização das empresas portuguesas. Também aqui é importante ter criatividade e estar aberto a parcerias, especialmente em mercados novos de grande potencial (p. ex., alguns países da CEDEAO).

Em todo o caso, estamos claramente numa fase inicial de análise das consequências decorrentes da evolução demográfica na África subsaariana ao longo deste século tal como reportado no Survey Populacional das NU. Enquanto vamos procurando ter um mapeamento mais claro das necessidades/oportunidades que se vão colocar, é crucial que no curto prazo as instituições nacionais e europeias – a começar pela Comissão Europeia, mas sobretudo envolvendo centros de investigação sociais e económicos e think-tanks de natureza vária – reflitam sobre as consequências deste Survey. É crucial que sejamos capazes de criar massa crítica para delinear estratégias inteligentes e articuladas para aproveitarmos este mar de oportunidades. 

Jorge Costa Oliveira, CEO, JCO Consultoria, Lda