As mulheres e o poder

Olhando para Paula Amorim e Cláudia Azevedo, há algo que salta à vista e que as une: a pose distante e um pouco máscula. Dir-se-á que é uma coincidência, mas pode não ser.

GOSTO DE ESCREVER sobre mulheres. Aliás, julgo que as personagens mais interessantes dos meus livros de ficção são mulheres: Mariana Mendes, n’ O Último Verão na Ria Formosa, Filomena, no Jardim Colonial, Alda, Madalena, Maria Manuel, Ivone e Laura n’ As Herdeiras de Adriano Gentil (cujo título inicial era Cinco Mulheres numa Casa de Inverno). 

Um dia, há muitos anos, uma leitora disse-me que eu «era o escritor português que melhor compreendia as mulheres». Fiquei muito sensibilizado com o elogio, pois sempre fiz um grande esforço nesse sentido – mas continuo muito longe de o conseguir. Para um homem, é muito difícil conhecer bem os meandros da alma feminina. Aliás, no fim da vida, o meu pai confessava-me que, tendo passado o seu tempo a tentar perceber os outros – ele era investigador e historiador -, havia uma coisa que nunca conseguira entender: as mulheres.

QUANDO fundei este jornal, em 2006, tive a preocupação de fazer um produto que não fosse exclusivamente masculino – no formato, no grafismo e nos temas. 

O formato deveria ser cómodo, as margens deveriam ser largas para as senhoras não sujarem os dedos, deveria haver temas de interesse marcadamente feminino e mulheres colunistas – Margarida Rebelo Pinto, Margarida Marante, Assunção Cabral.

As mulheres, que antes não compravam jornais e liam os exemplares do marido ou do namorado, passaram a ser também compradoras – até porque havia (e há) cada vez mais mulheres a viver sozinhas – e isso exigia dos jornais outra atitude.

Eu sei que as feministas dizem que não há temas para homens e temas para mulheres, mas isso não é verdade. Quem faz jornais sabe perfeitamente que os temas mais lidos pelos homens não são os mesmos que as mulheres em média leem mais.

VEM TUDO ISTO a propósito da recente subida ao poder, em três dos grandes grupos portugueses, de cinco mulheres: Paula Amorim, no grupo com o mesmo apelido, Cláudia Azevedo, no grupo Sonae, e Filipa, Mafalda e Lua Queiroz Pereira, no grupo Semapa. 

E isto num país em que as principais fundações também têm mulheres à sua frente: Leonor Beleza, na Fundação Champalimaud, Isabel Mota, na Fundação Gulbenkian, e Ana Pinho, na Fundação de Serralves.

Confesso que não percebo o que se passou na Sonae, onde a posição de Paulo Azevedo parecia confortável. Paulo fora escolhido pelo pai, que o via como seu sucessor natural, assumiu a liderança do grupo quando Belmiro de Azevedo decidiu deixar de exercer funções executivas – mas pouco depois de o pai falecer saiu da presidência, entregando o poder à irmã. A decisão foi súbita, não foi explicada, e provocou estupefação.

DEIXANDO para já de lado as filhas de Pedro Queiroz Pereira, que acabam de assumir funções, e olhando para Paula Amorim e Cláudia Azevedo, há algo que salta à vista e que as une: a pose distante e um pouco máscula. Dir-se-á que é uma coincidência, mas pode não ser.

Um erro frequente das feministas é acharem que, para competirem de igual para igual com os homens, devem adotar comportamentos masculinos. E mesmo copiar certos clichés de imagem: cortarem o cabelo curto, usarem blazer, às vezes camisa e gravata, e pasta em vez de mala de mão. 

Ora, se uma mulher é eleita para um alto cargo, isso deve-se certamente às suas qualidades profissionais – não fazendo sentido que, para se impor, adote uma imagem masculina. Com isso só está a reforçar a ideia de que as mulheres não podem chegar a lugares de topo: as que lá chegam são as que assumem (ou já têm) um look masculino, acentuado pelo corte do cabelo e pela expressão fria.

PAULA AMORIM e Cláudia Azevedo deveriam, assim, fazer um esforço em sentido contrário, mostrando que as mulheres não precisam de se parecer com os homens para chegarem a cargos de alta responsabilidade. Que não precisam de vestir as calças dos pais ou dos maridos, nem de frequentar os mesmos cabeleireiros, nem de usar as suas gravatas.

Nesse sentido, pode dizer-se que Leonor Beleza, Isabel Mota e Ana Pinho ‘renegaram’ menos o seu sexo (odeio a palavra ‘género’), mantendo-se femininas na aparência. Também é certo que uma fundação é diferente de um grupo industrial ou comercial – que se move num meio onde a competição é feroz e exige pessoas de… ‘barba rija’. 

Será isto que explica as expressões duras de Paula e Cláudia?