Um rio do outro mundo

Hoje falarei, pois, não de um livro mas de uma reportagem. No número de novembro de 1991 o jornalista Robert Caputo leva-nos a bordo do Coronel Ebeya, um dos dois navios sobrelotados que na altura faziam o trajeto de perto de dois mil quilómetros no Rio Zaire (atual rio Congo) entre Kinshasa e a quarta…

Durante muitos anos acreditei que uma biblioteca só poderia ter livros, livros e mais livros. Um dia alarguei os meus horizontes e percebi que podia conter tudo o que fosse feito de papel – o que inclui, naturalmente, jornais e revistas. Dir-se-ia que, em princípio, a sabedoria destes não serão tão sólida e duradoura quanto a dos livros, mas há casos que desafiam as regras. A National Geographic é um deles. Em cada exemplar encontro artigos que se mantêm interessantes passados dez, vinte ou quarenta anos. E fotografias que continuam a deixar-me de boca aberta.

Hoje falarei, pois, não de um livro mas de uma reportagem. No número de novembro de 1991 o jornalista Robert Caputo leva-nos a bordo do Coronel Ebeya, um dos dois navios sobrelotados que na altura faziam o trajeto de perto de dois mil quilómetros no Rio Zaire (atual rio Congo) entre Kinshasa e a quarta maior cidade do país, Kisangani.

«Este barco é o único mercado, a única farmácia, a única clínica e o único bar em centenas de quilómetros», explica o comandante do navio. De facto, com mais de cinco mil passageiros amontoados a exercer todo o tipo de atividades, tem razão o repórter ao dizer que o Coronel Ebeya não é um mero navio, mas uma autêntica cidade ambulante. E, como todas as cidades, tem a sua própria estratificação social: a primeira classe era designada na gíria por Europa; a segunda por China – «demasiadas pessoas, mas a situação não é má»; «à terceira classe chamamos Zaire, onde a vida é para ser tolerada».

Este navio abastecia as povoações ribeirinhas de bens essenciais ou supérfluos, como medicamentos e rádios leitores de cassetes, mas também pão que ia endurecendo à medida que se afastava o ponto de partida – ainda assim era muito apreciado nos lugares mais remotos, onde levava o sabor da cidade e da civilização.

Além da fauna humana, segue a bordo do Coronel Ebeya todo um mundo de vida selvagem. Crocodilos vivos presos a troncos e com a boca atada por lianas; macacos e impalas esquartejados. «Eu era muitas vezes convidado para as refeições que preparavam em braseiros de carvão: banana da terra, larvas secas, babuíno assado inteiro, estufado de macaco de focinho branco», conta o autor.

As fotografias que acompanham este trabalho, também por Robert Caputo, são igualmente eloquentes. Uma delas mostra a mão de um homem a acariciar a cabeça de um «chimpanzé bebé traumatizado, cuja mãe foi morta e comida por um caçador da floresta que depois esperava vender este órfão como animal de estimação. Preço pedido: 13 dólares». Esta não é apenas uma viagem pelo rio Zaire ou ao coração de África: é verdadeiramente uma viagem a outro mundo.