José Riço Direitinho. ‘A nova literatura portuguesa é muito bem comportadinha’

Irrita-o que a literatura portuguesa seja tão moralista e quis lançar um livro com sexo explícito que agitasse as águas. Ouviu elogios mas também críticas violentas. Sobretudo de quem apreciava os seus romances sobre o mundo rural. ‘A certa altura toda a gente achava que eu ia escrever sempre sobre osgas e couves’, diz Riço

José Riço Direitinho. ‘A nova literatura portuguesa é muito bem comportadinha’

Depois de 13 anos sem publicar ficção, José Riço Direitinho regressou com O Escuro que te Ilumina (ed. Quetzal), o diário ficcionado de um professor de literatura que espia os vizinhos e vagueia na noite de Lisboa à procura de práticas sexuais pouco recomendáveis.

Já acusaram este livro de ser «pornográfico» e até «um suicídio literário», mas o autor rejeita: em poucos meses vendeu mais exemplares do que os romances rurais que, na década de 90, lhe deram o estatuto de grande esperança da literatura portuguesa. Riço considera O Escuro que te Ilumina, pelo contrário, um texto «muito poético» e «religioso», algo que transparece em passagens como esta: «A minha devassidão foi uma busca dessa transcendência – é-o sempre, quando consciente e inteligente: como uma religião». Mas a par destas considerações mais literárias, ou filosófica, há também muita linguagem explícita, obscenidades e descrições chocantes.

Este é um livro absolutamente singular no nosso panorama literário. Que reações lhe têm chegado?

Eu não fazia a mínima ideia de como o livro iria ser recebido. Podia ser muito bem recebido, podia ser do piorzinho, não tinha a mínima noção. Há um fenómeno que não consigo perceber bem: as mulheres gostam, os homens às vezes nem tanto.

Rejeitam?

Quando gostam, gostam. Mas quando rejeitam são agressivos.

Dizem-lhe isso pessoalmente?

Não. Tenho visto no Facebook, em alguns comentários num ou noutro blogue, ou no site Goodreads.

O que dizem?

Dizem que é ‘pornográfico’, ‘banal’, ‘do pior’, ‘nem parece o mesmo gajo que escreveu o Breviário [das Más Inclinações] e o Relógio [do Cárcere]’. Outro dizia qualquer coisa do género ‘a chafurdar na lama da Praia da Rainha’. Esse tipo de coisas. Acho que os homens que rejeitaram o livro não gostam por razões sexuais.

Por terem problemas, complexos?

Acho que este livro é capaz de confrontar uma certa ideia de masculinidade com que muitos homens lidam mal. A Helena Vasconcelos, crítica do ípsilon [suplemento cultural do Público] veio-me dizer: ‘Adorei o livro. Aquilo não é pornográfico, é um livro religioso e acaba com uma crucificação’. Eu achei: ‘Religioso percebo, crucificação não estou a ver’ [risos]. E de repente faz-se-me luz. No final, o personagem é enrabado no parque. E foi a essa parte que ela chamou crucificação – o personagem não é gay nem ‘bi’. Acho que é essa ausência de uma certa ideia de masculinidade que pode assustar ou irritar alguns homens. As mulheres não. 

E teve comentários de pessoas mais próximas, de familiares?

Decidi não divulgar o livro junto da família, nomeadamente dos meus pais e da minha irmã. Os meus pais não vão ler. Perceberam o que era, estão avisados.

E se lessem? Não sei se são pessoas mais conservadoras…

Sim, são. E também já são muito idosos. Mas não, não vão ler, e se lessem não sei que reação teriam.

Este é o seu regresso à ficção ao fim de 13 anos. Por que não escreveu nesses anos?

Fui sempre escrevendo – se bem que muito menos – mas não publiquei. Houve várias coisas que contribuíram para isso. Uma delas foi o facto de ter tido um filho e houve um ou outro ano em que tive de o acompanhar mais. Também mudei de atividade – trabalhava como engenheiro agrónomo e passei a dedicar-me à escrita no Público. Além de me tirar tempo, o facto de ter que ler um livro por semana baralhava-me muito os estilos. Quando começo a escrever preciso sempre, no mínimo, de duas horas para entrar no meu texto e de umas quatro ou cinco horas para ficar. E tem de ser uma coisa diária. O facto de ter de ler outros livros tornava as coisas mais difíceis. Tinha de estar sempre a mudar a agulha, e ia adiando. Também houve uma questão mais psicológica. Eu antes dizia que escrevia para que gostassem de mim. E a partir de determinada altura, quando começaram a gostar dos meus livros, passei a receber isso: se gostavam dos livros gostavam de mim. A determinada altura comecei a rejeitar isso. Do género: ‘As outras pessoas não escrevem livros e têm quem goste delas. Tenho de experimentar isso’. Como comecei a publicar relativamente cedo – aos vinte e tal – e nos anos 90 era a grande esperança da literatura…

Fartou-se disso?

Isso chateou-me e às tantas decidi cortar um bocado.

Como lidava com o facto de falarem de si como o próximo grande nome da literatura portuguesa?

Procurei nunca levantar os pés do chão. Mesmo nessa altura em que conheci o Saramago e o Lobo Antunes, e ia com eles a feiras do livro… Quando Portugal é escolhido para país-tema da feira de Frankfurt [1997], o Die Zeit faz a capa do suplemento literário com o Lobo Antunes e comigo.

Assustou-o ter tanta responsabilidade?

Não. Eu sabia que era uma coisa momentânea. Sabia que agora dizem bem e a seguir eu escrevo uma merdunça e caem-me todos em cima. Deixei-me estar e quando soube que não ia publicar logo nos anos a seguir também não foi tragédia nenhuma. Sempre levei a literatura um bocadinho como qualquer coisa que fazia quando achava que tinha de fazer, nunca como uma obrigação, nunca como um escritor avençado.

E não houve pessoas que o pressionassem a publicar?

Sim. Durante estes dez anos fui ouvindo de vários editores – ‘Quando é que escreves?’. E tinha sempre um romance a meio.

Para usar como desculpa quando lhe perguntavam?

E para mim também.

Quando foi tirar o curso de Agronomia já era escritor?

Comecei a escrever regularmente e a publicar no suplemento jovem do Diário de Notícias quando andava no último ano do liceu. Tinha aulas só à noite e ficava com o dia todo livre para escrever. Depois fiz Agronomia, mas sempre me interessei por literatura. Aliás escolhi ciências nem sei bem porquê, era-me indiferente ir para uma ou outra [ciências ou humanidades], e Agronomia também foi um acaso. Podia ter sido Biologia ou outra coisa qualquer. Depois fui sempre mantendo as duas coisas em paralelo.

E gostava de fazer a ligação entre esses dois mundos aparentemente tão diferentes?

Sim. Nos meus primeiros livros há um grande fascínio pelo mundo rural, que sempre existiu, apesar de eu ser de Lisboa.

‘Apesar de’ ou precisamente por causa disso…

Ou por isso, pois. Nasci em Lisboa, vivi sempre em Lisboa, passava uma semana ou duas de férias no campo. Mas sempre tive esse fascínio pela parte rural. Depois de fazer Agronomia, comecei logo a trabalhar em todo o lado, nas aldeolas todas, andava de um lado para o outro, e foi nessa altura que escrevi alguns romances muito rurais.

O que fazia concretamente?

Trabalhei em avaliações de prejuízos provocados por intempéries – geadas, granizos, tempestades – e também em avaliação de terrenos para expropriação, quando era preciso fazer autoestradas nos anos 90. E estive à frente das avaliações no maior projeto que cá se fez nessa área, que foi a instalação do gasoduto, desde Braga até Sines. Daí também conhecer Portugal todo.

Temos por vezes uma ideia um tanto romântica do mundo rural. Essa ideia corresponde à realidade?

Não tem nada de romantismo, é uma coisa muito mais dura, mais violenta. O campo é bucólico mas é nas casas de turismo rural. E então nos anos 90, em que andei por aí, não tinha nada de bucólico. Claro que depois nos livros que escrevi há um lado muito telúrico e muito mágico, quase transcendente. Estou a lembrar-me de Vilar de Perdizes e de Trás-os-Montes, aquelas histórias do Padre Fontes [que tem fama de curandeiro]. Frequentei alguns desses congressos de medicina popular. Aproveitei muitas dessas coisas e provavelmente vou continuar a aproveitar.

Mas este seu novo livro não tem nada a ver com esse universo.

Esse foi também um choque para quem conhecia a minha obra anterior e agora leva com isto. Já tinha acontecido com o penúltimo livro. Chama-se Histórias com Cidades e é um livro de contos que se passa só em cidades europeias. O Pedro Mexia na altura disse: ‘Leiam os anteriores, passem por cima deste e leiam o próximo’. Eu já estava catalogado como o escritor rural que tinha voltado às historinhas à Miguel Torga e à Camilo – coisa que não se fazia na altura em que eu apareço. Faço três livros rurais, e toda a gente acha que eu vou sempre continuar a escrever sobre osgas e couves. Aí escrevo as Histórias com Cidades e a seguir volto ao campo.

Como aparece então O Escuro que te Ilumina?

Aparece por uma série de motivos. Primeiro porque quando percebi que havia este meio escondido falei ao Francisco José Viegas e ele encomendou-me uma reportagem para a [revista] Ler. Eu tinha curiosidade e fui umas vezes ver como aquilo funcionava, que tipo de pessoas iam para lá, se eram pessoas normais, que andam na rua, e depois à noite ‘viram’ e andam a fazer estas coisas.

O que concluiu?

De facto é isso. Alguns até são pessoas conhecidas que não me passaria pela cabeça encontrar num parque de estacionamento de uma praia na Costa da Caparica às dez ou onze da noite com um carrão enorme, a cara meia escondida, à procura de senhoras – ou de senhores, ou o que for – quando são tipos que estalam os dedos e se calhar têm cem meninas à volta. Um deles é uma pessoa muito conhecida, e quase cada dia que eu passava lá via-o. Essa parte psicológica interessava-me: o que é que leva um tipo destes, que em termos de sexo tem o que quer, meter-se num carro e ir para aquele sítio e andar à volta do parque de estacionamento até que alguém lhe faça qualquer coisa não sabendo que é ele?

Essas pessoas não têm medo de serem reconhecidas?

Esse pelo menos tem. Aquilo é muito escuro, mas mesmo assim usava um cachecol a esconder a cara e um capuz. A ideia deve ser um bocado essa: imaginar como seria a minha vida se eu não fosse o gajo conhecido que sou. Também vi ali modelos e antigos modelos.

Homens ou mulheres?

Homens e mulheres. Ou casais. Não faz muito sentido, ainda para mais porque aquilo é frequentado por aquele tipo de homens muito tímidos, muito provavelmente alguns deles com problemas sexuais, e depois aparece este pessoal de um outro mundo que cai também ali. Isso é nos parques de estacionamento nessa coisa do dogging. Depois há o fenómeno dos bares, que eu conhecia de Berlim, onde vivi em 1999 e 2000. Agora também há cá um ou dois sítios. São pessoas perfeitamente normais – pessoas dos jornais, da televisão e de outras profissões – que vão ali por uma questão de fetiches, de liberdade, de fazerem o que lhe apetece. Algumas mulheres podem ter algum receio por achar que depois se metem com elas. Não – metem-se mais em qualquer bar do Cais do Sodré do que nestes sítios.

Disse que queria perceber o que ia na cabeça de uma pessoa para entrar nesses esquemas. Conseguiu falar com alguém?

O meu propósito era mais integrar-me, estar ali, ver, ouvir, depois em conversas normais perceber o que motivava as pessoas. A minha ideia com este livro era mostrar a outra vida que nós podemos ter por detrás da vida que toda a gente conhece, e daí o protagonista espreitar os vizinhos. Claro que nada do que aparece no livro foi assim que se passou, a única coisa real são os sítios.

Integrar implica participar?

Não. No dogging há carros para trás e para a frente, eu estacionava e ficava ali a ver os outros carros. Nos bares ninguém tem que fazer nada, ninguém é obrigado a nada. Muita gente vai só beber copos com os amigos.

São bares que têm a porta aberta?

Cá de fora não se vê. No Mise en Scène, aquele de que eu falo no livro, tem de se saber a morada. Toca-se à campainha e entra-se. É um bar normal, depois na cave tem uma zona mais para o fundo atrás de umas cortinas, onde se percebe que tem uma cama, cadeiras, sofás. Quem quiser vai para lá só ver, porque há um lado muito exibicionista nisto tudo – e um lado muito voyeurista de quem vai assistir. Os exibicionistas precisam dos voyeuristas e vice-versa, por isso ninguém chateia ninguém.

Nunca teve uma situação mais constrangedora de encontrar quem não devia ou uma pessoa sua conhecida?

Não. A única pessoa foi essa figura pública de que lhe falei. Eu reconheci-o porque lhe caiu o cachecol. Ele sorriu e eu percebi que conhecia aquele sorriso de algum lado.

Não teve dúvidas em publicar este livro?

Sim, tive. Eu sou muito lento a escrever, mas queria escrever este livro em três ou quatro meses. Por isso disse ao editor: ‘OK, eu faço o livro, mas vamos publicar isto com pseudónimo’.

Para se defender?

Nem era tanto por causa do assunto, tinha a ver com a qualidade da escrita. Como era para ser um livro rápido, que ia escrever em três meses, não ia investir muito. A ideia do pseudónimo era para esconder que [o autor] era a mesma pessoa que tinha escrito os outros livros. Mas comecei a escrever e às tantas a história por detrás disto começou a sair muito literária.

Pouco verosímil, é isso?

Não. Quero dizer mesmo literária. Mas deixei-me ir. E ao fim de uns tempos o editor diz-me: ‘Acho que tens de assinar com o teu nome por várias razões. Primeiro porque o teu nome é conhecido. Segundo porque não vais escrever uma merda em que te vais queimar’. E eu fiquei a pensar: ‘Deixa-me chegar ao fim, depois decido’. Quando cheguei ao fim já tinha decidido que sairia com o meu nome e como uma coisa literária, trabalhada e de que eu gostasse, daí ter demorado mais meses a escrever. Aceito a paternidade.

Certas expressões que usa… Olhe, abri aqui o livro ao acaso e apanhei logo uma: ‘o mastro erguido’. Ou ‘o margalho’. Não lhe faz confusão escrever isto?

Não. Essa foi uma das coisas que me propus: tentar que fosse bem escrito, mas usando as palavras que me apetecia. Claro que aí a fronteira entre cair no ordinário e o literário é muito ténue. Mas tentei sempre – e acho que consegui – que nada disto fosse ordinário. A princípio tive de fazer a mão, para a coisa não resvalar muito, mas depois de entrar no registo já foi fácil.

A par desse lado, o livro tem também muitas referências literárias, filosóficas, etc.

E um lado muito poético, também.

Exato. Isso foi para dizer ‘o que está aqui não é uma coisa vulgar e barata’?

Houve quem achasse que era para dar esse lado literário. Não. A razão disso é o personagem ser professor de literatura. Logo no início faz uma série de brincadeiras: pega num poema da Florbela [Espanca] e vira aquilo tudo, usa o soneto do Bocage… Sendo ele um professor de literatura é natural que, se estivesse a escrever um diário, lhe ocorresse um verso do Al Berto de que se lembrasse ou uma citação do Almeida Faria. Daí essas referências. Nunca me passou pela cabeça que fossem para legitimar a parte literária. 

Ao mesmo tempo, essas duas facetas, uma mais luminosa, a outra mais obscura, também correspondem à sua personalidade?

Sim. De uma forma ou de outra a ficção é sempre autoficção. É óbvio que isto não é um diário meu. Agora, fui eu que o escrevi. Há pensamentos que são meus, há situações que vivi na imaginação. Num livro, todas as personagens têm sempre muito de quem as cria. É um bocadinho aquela história da Bíblia de que o homem foi feito à imagem de Deus – as personagens são sempre feitas à imagem do autor. Os lados escuros dos personagens, por muito maus que eles sejam, são os lados escuros do autor. O lado escuro dele é o meu lado escuro.

Ao mesmo, o livro tem um lado triste porque o protagonista parece uma pessoa muito desamparada e profundamente solitária. Isso tem alguma coisa a ver consigo ou com alguma fase da sua vida?

Não sou propriamente uma pessoa muito extrovertida ou muito social. Tenho alguma solidão e é por isso que escrevo. Se não tivesse solidão não precisava da escrita para nada. Tenho este lado também de solidão que aparece na personagem. Se calhar não tão acentuada, não tão depressiva, mas tenho, claro.

Além dos elogios e das críticas, houve alguém que o contactasse não direi com uma proposta explícita, mas de uma forma mais insinuante?

Acho que este livro se presta um bocado a isso. E com o Facebook… Houve vários contactos, um deles foi de uma senhora que disse: ‘Sabe qual é a parte mais interessante do seu livro? É que não diz em sítio nenhum que aquilo é ficção’. [risos]

Em Portugal temos pouca tradição de literatura erótica e ainda menos com este tipo de linguagem tão explícita. Tinha o intuito de que este livro fosse uma pedrada no charco?

Um bocadinho. Sempre achei a literatura portuguesa – excluindo a Agustina e um ou outro autor – muito moralista. E isso sempre me irritou, especialmente quando vinha de pessoas que se apregoavam feministas. A gente agarra num romance da Maria Teresa Horta e aquilo é profundamente moralista e quase a raiar, nalgumas coisas, o machismo. Isso irritava-me muito. E a nova literatura portuguesa também é muito bem comportadinha, eles são todos muito certinhos. E eu às tantas achei: ‘Não tenho nada a perder’. Já escrevi os livros que tinha a escrever, e este foi um bocadinho para provocar – não no sentido moral de chocar as pessoas, mas de mexer com alguma coisa em termos literários. Houve essa intenção. 

Publicar este livro foi também um salto no escuro?

Foi um salto completo no escuro. Não fazia a mínima ideia de como ia ser recebido. E ainda estou curioso: eu sei o que os leitores acharam, mas ainda nenhum académico se chegou à frente. E estou curioso quanto a isso. Houve muito receio, mesmo na imprensa – o que é compreensível.

De não se saber bem como se lida com isto?

Sim. Especialmente nos programas literários da televisão – nenhum pegou nisto. Eu não publicava um livro há 12 anos, de repente publico, e os programas de televisão ignoram-me, obviamente por causa do assunto do livro. Ficava mal ler um excerto ou outro.

Não lhe faz confusão expor-se tanto a leitores que não o conhecem de lado nenhum?

Não, porque isto não é um diário meu. Escondo-me sempre na parte ficcional. E se apertarem muito comigo digo que é mesmo só ficção e que não sei nada disto. Isso protege-me. O resto… não me incomoda por aí além. Também não partilho da opinião do Miguel Real no JL, que dizia que isto é um ‘suicídio literário’. 

Porquê?

Achava que a classe média instalada que lê livros ia receber este muito mal. E não é verdade. Vendeu mais do que os meus livros anteriores, e exatamente nesse estrato da classe média instalada que lê livros – as professoras de liceu, esse tipo de pessoas.

Quando decidiu publicar, rezou para que corresse bem ou estava-se nas tintas para o que pudessem pensar?

Claro que nós queremos sempre que corra bem em termos de vendas, por causa também da editora, mas em relação ao que dizem, já fiz o que tinha a fazer e estou-me um bocado a borrifar. Não me iria prejudicar em termos literários e ninguém ia apagar os livros anteriores. Além disso, porque quando decidi publicar com o meu nome foi em consciência de que é um bom livro.

E se houvesse uma daquelas críticas assassinas?

Não me ia incomodar. Estou preparado. Aconteceu com o Histórias com Cidades, com o Pedro Mexia, de quem sou amigo. Trabalho é trabalho, quando a gente não gosta diz que não gosta.

Lida bem com isso?

Lido. Aliás na altura o Francisco José Viegas, meu editor, disse-me: ‘Sabes que podes levar porrada?’. ‘Claro, sem problemas’. Levei pouca.