A segurança dos nossos museus

Quando a desgraça sucede, como agora no Brasil, ao menos que se faça um inventário dos problemas dos nossos museus mais antigos, para não termos de carpir mágoas

Quando era jovem, o meu Pai fazia questão de me mostrar regularmente os museus de Lisboa. Dizia ele que «uma vida sem cultura, é uma vida vazia!». Além de uma paixão pelos livros, que comprava na medida das nossas possibilidades, ainda lhe sobrava tempo para apreciar as artes, sobretudo pintura. Visitar exposições fazia assim parte das nossas tardes de sábado.

Mal ele sabia de uma nova exposição, era certo e sabido que a iríamos visitar. Fui muitas vezes ao Palácio Foz, outras tantas ao Museu das Belas Artes, mais algumas ao Museu de Arte Antiga, finalmente à Gulbenkian, tudo destinos obrigatórios dessas tardes em que, a pretexto de cultura, havia um sadio convívio familiar.

Passados muitos anos, tive contactos profissionais com a Sociedade Portuguesa de Autores e, muito para além de com ela ter colaborado, tive o fascinante privilégio de conviver amiudadamente com algumas das suas ilustres figuras, como (Mestre) Zé Jorge Letria, Tozé Brito, João Lourenço, Zé da Ponte (entretanto falecido) e tantos outros. Com todos – e de todos – reconfirmei a frase ouvida do meu Pai, dita de outra forma: «Um país sem cultura, é um país sem vida e sem memória».

 

Quando soube do incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro, tudo isto me veio à memória. Este museu era sobretudo muito da história do Brasil, de Portugal, da humanidade. Tinha um invejável acervo histórico e, num ápice, arderam 200 anos de história. 

Segundo fonte local especialista em museus, meu familiar, o prédio principal (Palácio da Quinta da Boa Vista) teve perda total, com a possível exceção de algumas peças, como o meteorito de Bendegó. A Luzia, fóssil humano mais antigo das Américas, ainda não se sabe, mas é quase impossível ter-se salvado. Todo o material da exposição, coleções situadas no prédio principal, arquivo e acervo histórico, grande parte das coleções antropológicas, aracnologia e crustáceos, se perdeu.  O acervo de paleontologia e mineralogia talvez possa ser resgatado, se for feito um bom trabalho após o rescaldo.

As salas de aula e laboratórios foram completamente destruídas. Perdeu-se o maior acervo de múmias da América Latina, a coleção egípcia que começou a ser adquirida pelo imperador Dom Pedro I, os esqueletos da preguiça gigante, baleia e dinossauros. A perda das coleções de conchas, corais e borboletas – que compreende o campo de invertebrados em geral, em especial, dos insetos – ainda não foi confirmada, mas não deve ter sobrado nada.

 

Tal como acontece sempre nestas desgraças, no imediato buscam-se os culpados – e poucas dúvidas tenho de que houve sérios desleixos de manutenção, provavelmente por míngua de recursos. Rezam as crónicas que existem sérias dificuldades financeiras no Brasil, em particular no Estado do Rio de Janeiro – e a cultura não será exceção, com orçamentos minguados pelas dificuldades. A cultura sempre foi parente pobre da política, que dela apenas se lembra em vésperas de eleições, dada a importância dos artistas na penetração popular. 

Quem nunca ouviu falar das dificuldades do teatro ou do cinema em Portugal? Mas poucos ouviram falar nos elevados custos de manutenção dos museus e na necessidade de serem dotados de verbas para fazer face a esses custos. Quando a desgraça sucede, como agora no Brasil – repetindo o incêndio de dezembro de 2015 no Museu da Língua em São Paulo -, ao menos que se faça um inventário dos problemas dos nossos museus mais antigos, para não termos daqui a uns tempos de carpir mágoas.

 

P.S. – Há uma semana escrevi sobre o Algarve, a propósito da queda perfeitamente quantificada da procura internacional motivada por ofertas bem mais favoráveis de países alternativos. E alertei para a necessidade de se reverem alguns parâmetros, entre os quais a qualidade dos serviços prestados. 

Tive várias reações. Muitas de concordância, outras de correta e salutar discordância, mas, infelizmente, também múltiplos insultos – sobretudo nas redes sociais, com ameaças diversas, incluindo «limpar o sebo». Aqueles que concordaram ou discordaram perceberam bem o meu único intuito de defender o Algarve. Os outros ignoraram esse objetivo, focando-se apenas no tema de um restaurante estar fechado, sem perceberem que era um exemplo – mas com impacto negativo num destino basicamente turístico. Paciência. Por bem fazer, mal haver!