A Venezuela e os novos retornados…

Marcelo errou ao preconizar um tabu sobre a Venezuela. E estranha-se o silêncio de PS, PCP e BE

O êxodo dos venezuelanos começou há muito, mas só agora essa situação desesperada transbordou para os grandes media, perante os graves problemas de acolhimento que estão a ser denunciados pelos países limítrofes, cujas fronteiras são diariamente atravessadas por populações em fuga a um regime que já não consegue disfarçar a sua falência.

Há muito que se sabe, também, que cerca de meio milhão de portugueses e de lusodescendentes residentes na Venezuela – uma das maiores comunidades no exterior – enfrenta uma situação delicada, que recomendaria ao Governo de António Costa um acompanhamento de perto e um plano de contingência. 

 

Mas pouco ou nada transpira nos corredores do poder. Esse ‘nevoeiro’ adensou-se, aliás, com a inusitada declaração de Marcelo Rebelo de Sousa, aos microfones da Rádio Renascença, ao sustentar ser importante «não levantar ondas, nem criar especulações», recomendando que não se comece «a berrar em torno disso».

Não foi feliz a terminologia presidencial. E mal se entende o apagamento mediático perante a frase desconcertante. 

Sem dúvida que a discrição diplomática é fundamental, quando estão em causa milhares de vidas, cativas de uma situação à beira do desespero. 

Sem dúvida, também, como enfatizou Marcelo, que o tema não deve ser instrumentalizado numa qualquer campanha eleitoral. Mas daí a ignorar a tragédia social que se abateu sobre os portugueses vai uma grande distância.

O Presidente errou ao preconizar um tabu. E não é. A realidade será cada vez mais urgente, perante o descalabro que tomou conta do ‘chavismo’, continuado por Maduro, em versão esotérica e mediúnica.

 

Basta de silêncio espesso à volta do desastre humanitário em que se converteu a Venezuela, deitando por terra os sonhos de compatriotas nossos que, um dia, trocaram a terra onde nasceram pelo desafio da emigração. O regresso desiludido já começou. Números oficiais estimam entre 4.500 e 5.500 os novos retornados, na sua maioria com destino à Madeira, de onde são oriundos. 

O PCP e o Bloco de Esquerda, fartos no elogio ao ‘chavismo’, emudeceram, fingindo não perceber o colapso do socialismo ‘bolivariano’.

E ao silêncio comprometido dos comunistas juntou-se o PS, com antecedentes que deveriam envergonhar o partido. Foi em 2016 que o município da Amadora, com maioria socialista, teve o desplante de inaugurar, com pompa e circunstância, a Praça Hugo Chávez, em homenagem ao caudilho.

 

A convergência entre o PS e os partidos à sua esquerda neste caso não surpreende, até pelas suas responsabilidades enquanto Governo, liderado por José Sócrates, deslumbrado com Chávez, de quem foi anfitrião recorrente, a pretexto de acordos e de negócios cujo desfecho é ainda uma nebulosa. 

Apesar do estertor do ‘chavismo’, com milhões de pessoas sujeitas à fome e ao arbítrio, têm sido parcimoniosas as reações internacionais, e mesmo a cobertura mediática não está isenta de imperdoáveis omissões.  

A comunidade portuguesa, que já foi próspera, vive momentos aflitivos. Porém, tanto o ministro dos Negócios Estrangeiros como o secretário de Estado titular da pasta da emigração primam pelas evasivas. 

Mesmo ao nível dos principais atores políticos com acesso aos media, é raro ver-se alguém que contrarie o cinzentismo dominante. Um recente artigo indignado do eurodeputado Paulo Rangel foi, por isso, uma pedrada no charco.

Interrogou-se Rangel, e com razão, se, «diante da tragédia humanitária em curso na Venezuela, sabendo que haverá um grande número de portugueses afetados, não deveria o Governo criar um programa de estímulo ao regresso daqueles que o quisessem fazer?». 

 

O ‘estímulo’  teve no entanto,  outro destino, ao ser anunciado pelo primeiro-ministro, na festa do PS em Caminha, que os residentes emigrados entre 2011 e 2015 terão direito, caso regressem, ao benefício de 50% no IRS durante três a cinco anos, podendo ainda «deduzir integralmente os custos de instalação no país». 

Descontado o facto de o anúncio ter sido feito no local menos apropriado, a questão seguinte é saber onde acaba o secretário-geral do PS e começa o governante, e vice-versa. Depois, vem a coincidência de a medida abranger apenas o período temporal do Governo de Passos Coelho na vigência da troika, e do memorando assinado pelo PS. Mesquinho e discriminatório, apesar de ter tentado emendar a mão. 

De facto, este ‘incentivo’ só pode ofender os portugueses que estão a sofrer na pele a agonia do regime de Caracas, sem que se vislumbre, como notou Rangel, um programa específico de apoio. 

A emigração é algo demasiado sério e complexo para ser tratado com ligeireza demagógica, em ambiente colorido de festa partidária, num piscar de olhos eleitoralista.