O PPD separou-se do PSD

Em Portugal ainda não há confrontos racistas, porque as coisas aqui chegam sempre atrasadas, mas esse dia chegará

O eleitorado do PSD divide-se em duas partes: uma social-democrata, mais próxima da esquerda, outra sem ideologia, mais próxima da direita.

As duas partes não são iguais: a da direita é bastante maior – e é a que corresponde melhor ao sentir dos militantes do partido.

Quando Sá Carneiro trocou o nome de Partido Popular Democrático (PPD) para Partido Social Democrata (PSD), por razões oportunistas, houve um dirigente que não se resignou à mudança: Pedro Santana Lopes.

Recusou-se a esquecer o PPD – e passou a referir-se ao partido como «PPD/PSD». 

E isso não acontecia por acaso: Santana Lopes recusava um carimbo ideológico encostado à esquerda (um partido ‘social-democrata’) e mostrava a sua preferência por um ‘partido popular’, mais identificado com a direita.

 

Esta dualidade nunca largou o PSD. Sá Carneiro representava mais o PPD (pela sua veia de ‘caudilho’), Cavaco Silva era mais social-democrata (mas tinha uma qualidade que a direita aprecia: a autoridade) e Passos Coelho foi empurrado para a direita num tempo de grande luta ideológica.

Até que veio Rui Rio.

E Rio é talvez o representante mais puro dessa social-democracia que sempre foi muito minoritária no partido.

Por isso, a maioria dos militantes e dos eleitores não se identifica com ele nem se revê nele.

Foi neste contexto que Santana Lopes decidiu sair.

 

Santana Lopes é, por direito próprio, o ‘fiel depositário’ do PPD. 

Mas essa ideia ainda fará sentido nos dias de hoje – e, fazendo, como dar-lhe corpo?

Que temas poderá agarrar um ‘partido popular’?

Vamos por partes.

No capítulo dos costumes, há um vasto campo a explorar. 

A ausência de opinião do PSD de Rui Rio em matérias tão polémicas como, por exemplo, a eutanásia ou a mudança de sexo aos 16 anos, criou um vazio que alguém terá de preencher. 

Estando a sociedade portuguesa tão dividida nas questões fraturantes, tem de haver partidos que corporizem as diversas correntes de opinião.

 

E o problema coloca-se do mesmo modo em relação aos migrantes.

Dizia um destes dias Durão Barroso que não é mais possível uma política de imigração «de portas escancaradas».

Esta política, que a Europa tem vindo a praticar, vem dando azo a perigosos tumultos, com o constante crescimento dos partidos fascistas em vários países.

Os partidos do sistema têm, pois, de se ocupar dessa questão com seriedade.

Não é mais possível fechar os olhos ou dizer que está tudo bem.

Em Portugal ainda não há confrontos racistas, porque as coisas aqui chegam sempre atrasadas, mas esse dia chegará.

 

Também tem de haver um discurso mais vigoroso contra a presença asfixiante do Estado na sociedade.

A política de reversões reverteu muita coisa que não deveria ser revertida, como a TAP, as 40 horas na Função Pública ou o IVA da restauração, mas não reverteu o «aumento brutal de impostos» do tempo de Vítor Gaspar.

Pelo contrário, os impostos agravaram-se.

O bolo fiscal tem vindo sempre a crescer, naturalmente por ação do crescimento económico, mas também em consequência da subida vertiginosa dos impostos indiretos.

Ora, o Governo, em vez de aproveitar essa ‘folga’ para reduzir a carga fiscal, tem  vindo a aumentar os encargos do Estado. 

E o ano de 2019, com o PS a procurar desesperadamente a maioria absoluta, vai ser um tempo de bodo aos pobres, como já começou a ver-se.

A adoção de um discurso favorável à iniciativa privada é outra das questões que um partido de direita não pode deixar de agarrar.

Só assim se criarão condições estimulantes para o investimento (nacional e estrangeiro), sem o qual não haverá crescimento sustentável.

Quem tem vontade de investir num país onde, em lugar de se apoiarem os empreendedores, se ergue perante eles uma pesada muralha burocrática?

Quem tem vontade de investir num país em que partidos que apoiam o Governo hostilizam constantemente os investidores privados?

Quem tem vontade de investir num país em que o risco de prejuízo é muito elevado – e o lucro, se houver, é em boa parte sugado pelo Estado?

Finalmente, um novo partido de direita terá de esclarecer a sua política de alianças – não deixando dúvidas sobre se apostará na bipolarização (que foi a grande bandeira de Sá Carneiro em 1979, com a Aliança Democrática) ou preferirá uma coligação como o PS.

 

Como se vê, há pano para mangas para um discurso alternativo ao do PS e ao do PSD.

Assim haja coragem.

Desde os costumes aos migrantes, desde as reversões aos impostos, desde o investimento à política de alianças, há muito a explorar por um líder que não tenha receio das palavras (e, se tiver, mais vale ficar quieto).

Sobretudo numa altura em que, por toda a Europa, novos partidos irrompem com discursos diferentes dos habituais.

O problema é o próprio Pedro Santana Lopes.

É que ele anda nisto há quase 40 anos – e, apesar de ser visto como um enfant terrible, é já um ‘homem do sistema’: já foi líder do PSD, presidente da Câmara de Lisboa e primeiro-ministro.

Ora, com este currículo, quem acredita que possa corporizar uma nova alternativa? 

 

Julgo haver espaço para um partido novo – com um discurso novo, menos politicamente correto, mais corajoso a desafiar o establishment, o peso do Estado, a cartilha da esquerda sobre os costumes, o discurso institucional sobre a imigração, a fatalidade dos impostos altos, que são um espartilho à economia.

Mas este discurso novo exigiria um protagonista novo.

E Pedro Santana Lopes, tendo qualidades pessoais para liderar um partido de características ‘populares’ – a palavra fácil, a voz bem timbrada, a capacidade de gerar emoções -, está demasiado comprometido com este sistema para dar aos eleitores uma impressão de novidade.