Princípio da não ingerência nos assuntos internos do Brasil

No decurso do curso de Direito, percurso tão repleto de aprendizagem e interesses que nunca antes antecipei, fui adquirindo uma especial apetência por matérias de Direito Público. Entre estas, encontra-se a de Direito Internacional Público, cadeira repleta de tecnicismos e conceitos que visam a nossa compreensão da ordem internacional, na qual nos é transmitido um…

Explicitado no artigo 2.º, n.º 7 da Carta das Nações Unidas, encontra-se o seguinte:

“Nenhuma disposição da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervir em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição interna de qualquer Estado, ou obrigará os membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do capítulo VII.”.

Porém, tenho perfeita noção de que analisar conceitos jurídicos por via de um artigo de opinião é algo de tão impróprio para o contexto, como de maçador para o estimado leitor. Apenas deixo esta introdução como “base” para aquilo que desejo comentar: A carta enviada por um grupo de 22 deputados do Parlamento Português, a apelar ao Supremo Tribunal Federal a libertação imediata do ex-Presidente da República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.

A breve título de enquadramento, Lula da Silva foi um dos arguidos na Operação Lava-Jato, tendo sido inicialmente condenado a 9 anos e 6 meses de cadeia pelo juiz Sérgio Moro, no Tribunal de 1.ª Instância, pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Recorrendo para o Tribunal de 2.ª Instância, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, os três juízes confirmam por unanimidade a sentença, aumentando-a para 12 anos e um mês.

Tratando-se de mais um, entre muitos, dos escândalos de corrupção que têm assolado a política Brasileira, cabe questionar a necessidade de tamanha atenção mediática para com o encarceramento de Lula da Silva, bem como dos sucessivos apelos à inocência ou culpa do mesmo por parte de homónimos partidários e políticos. Ao que parece, Lula da Silva é um dos potenciais candidatos pelo Partido dos Trabalhadores para as Eleições Presidenciais Brasileiras de Outubro, 2018, encontrando-se na posição liderante em todas as sondagens realizadas até à data. O facto de estar encarcerado impede-o, legalmente, de ser admissível enquanto candidato, sendo que, caso se tornasse Presidente, o seu julgamento teria que ficar suspenso.

Retornando à actualidade, o que terá sucedido para que 22 deputados da Assembleia da República – 8 do PS (Fernando Anastácio, Fernando Rocha Andrade, Isabel Moreira, João Barroso Soares, Paulo Pisco, Pedro Bacelar de Vasconcelos, Tiago Barbosa Ribeiro, Wanda Guimarães); 6 do BE (Joana Mortágua, Jorge Costa, José Manuel Pureza, Luís Monteiro, Moisés Ferreira, Pedro Filipe Soares); 6 do PCP (António Filipe, Carla Cruz, João Oliveira, Jorge Machado, Paula Santos, Rita Rato) e 2 do PEV (Heloísa Apolónia, José Luís Ferreira) – tenham decidido INTROMETER-SE num processo judicial que nada diz respeito ao nosso país ou concidadãos? À primeira vista, poderia aparentar uma mera demonstração de solidariedade para com uma possível injustiça judicial perpetrada contra um ex-governante de um país aliado. Porém, como diz o bom velho ditado, de boas intenções está o Inferno cheio.

Ao final de uma Sexta-feira, dia 6 de Julho de 2018, dois deputados do PT fazem entrar um pedido de habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estando este já fora do seu horário de expediente. O problema, é que isto não poderá ter sido um mero acaso, na medida em que o único juiz desembargador de plantão durante o fim-de-semana era Rogério Favreto, antigo membro do PT com 20 anos de militância e ex-secretário Nacional da Reforma do Judiciário, no Ministério da Justiça durante um dos Governos de Lula da Silva, entre 2007 e 2010.

É claro, o mesmo juiz acabou por exigir no Domingo, dia 7 de Julho, a imediata libertação do ex-presidente, tendo-se de seguida gerado uma disputa hierárquico-judiciária entre o mesmo, o juiz Sérgio Moro (juiz da 13.ª Vara da Justiça Federal, em Curitiba) e João Pedro Gebran Neto (relator da Operação Lava-Jato no TRF-4). O confronto acaba por ser resolvido por Thompson Flores, presidente do TRF-4, o qual suspende o pedido de habeas corpus, indo no sentido de voto de Moro e Gebran Neto.

Surge então a famosa carta, a qual apela ao Supremo Tribunal Federal do Brasil a libertação do ex-presidente por falta de provas e imparcialidade judicial dos tribunais para com o caso. Curioso é destacar que alguns dos nossos estimados deputados possuem licenciaturas em Direito e conhecem o tão fantástico sistema judicial Português, tal como João Miguel Tavares o fez, mas isso são debates para outras ocasiões.

O problema começa, na minha humilde opinião, quando os mesmos se identificam enquanto “Deputados à Assembleia da República Portuguesa”, como se encontra escrito no referido documento, sendo que Luís Inácio Lula da Silva não é um cidadão Português e o caso Lava-Jato diz única e exclusivamente respeito às autoridades Brasileiras. Como havia referido no início, o princípio que destaquei não visava ser o início de uma análise jurídica para com hipotéticas violações ao Direito Internacional, facto que, na prática, não se sucede, pela inexistência de vinculação do Estado Português, mas como base para aquilo que viso transmitir.

Não se trata do facto de expressarem as suas opiniões ou de enviarem a referida carta, mas sim de se identificarem enquanto representantes do Estado Português, arrogando-se de tamanha autoridade moral para estipular a falta de imparcialidade e legalidade de órgãos judiciais de um outro Estado de direito democrático. Caso os mesmos tivessem apenas manifestado a sua solidariedade perante o seu homónimo ideológico-partidário a título de membros do respectivo partido ou enquanto meros cidadãos, a meu ver, estariam livres de o fazer.

Agora, que tenham abusado de poderes democraticamente conferidos pelo Povo Português para passar o que apenas posso considerar como um “atestado de estupidez”, bem como exercer uma forma de coacção política perante o mais alto órgão judicial da República Federativa do Brasil? Isto, em forma alguma, poderá ser admitido.

São representantes como estes que envergonham a nossa Nação e desrespeitam a soberania de Estados tão democráticos quanto o nosso. Portugal não tem que se intrometer em casos que não lhe dizem respeito.