NO MEIO DE OUTROS atos violentos, dois crimes macabros impressionaram sobremaneira o país nas últimas semanas.
Um teve como vítima um triatleta, que partiu para um treino de bicicleta e nunca mais apareceu em casa. O corpo foi encontrado cinco semanas depois do desaparecimento, nu, com um saco enfiado na cabeça e esta esmagada por múltiplas agressões (que lhe desfiguraram o rosto, impedindo o reconhecimento). Por acaso ou não, o cadáver estava muito longe de casa (situada em Cachoeiras, Alenquer) mas perto de uma terra onde viviam familiares da mulher.
O outro crime envolveu uma professora liceal do Montijo e foi praticado pela filha adotiva, com a ajuda do marido, na casa onde os três viviam.
Os assassinos confessos começaram por adormecer a professora com um produto colocado na água, ao jantar; depois agrediram-na com marteladas na cabeça, transportando em seguida o corpo de automóvel para um descampado próximo, onde o regaram com gasolina e o queimaram.
DA PRIMEIRA MORTE voltarei a falar quando se descobrir o autor. Falo deste caso pois já está esclarecido.
O móbil do crime terá sido duplo. Por um lado, a filha tinha constantes discussões com a mãe adotiva; por outro, quereria herdar os seus bens, que compreenderiam imóveis no valor de 300 mil euros, dois carros e uma razoável conta bancária.
Perante este quadro, percebe-se como teria nascido a decisão de matar. O que custa mais a entender é que uma pessoa que revelou grande frieza em declarações feitas à TV não tenha percebido que dificilmente escaparia à Polícia.
QUANDO ALGUÉM é assassinado, os primeiros suspeitos são sempre os mais próximos. Ora, habitando a vítima com a filha adotiva e o genro, é óbvio que seriam sempre estes os primeiros a ser investigados. E como é que dois seres que não são assassinos profissionais, que nunca tinham praticado um crime, podiam ter a veleidade de escapar à investigação de agentes traquejados em homicídios, que já lidaram vezes sem conta com situações como aquela?
Como é que dois jovens sem qualquer experiência criminal podiam acreditar que trocariam as voltas a inspetores que já têm interrogatórios-tipo para casos deste género – com perguntas que levam facilmente os criminosos a cair em contradição e a ser rapidamente desmascarados?
Como foi possível tanta ingenuidade?
PARA LÁ DESTA questão, importa sublinhar alguns pontos. Primeiro, este crime lança um alerta social e um anátema generalizado sobre as adoções. Quem esteja a pensar em adotar uma criança, interrogar-se-á: não estarei a meter em casa a pessoa que amanhã me vai fazer a vida num inferno (para já não falar em morte)?
Este assassínio coloca os seres humanos abaixo dos animais: podemos criá-los, dar-lhes tudo, e isso não impede que amanhã se virem contra nós e nos matem.
Depois, a coabitação. Se a vida dos casais muitas vezes já não é fácil, a coabitação com familiares torna as coisas ainda mais difíceis – conduzindo em certos casos a sentimentos extremos. E, aí, a ideia do crime pode surgir como a mais óbvia para resolver o ‘problema’. Se a isto se juntar uma boa herança, a tentação será maior – ofuscando a inteligência.
Finalmente, importa falar da frieza da suposta assassina, que terá arrastado o marido para o crime.
ENFRENTAR uma câmara de TV não é fácil. Fazê-lo inventando uma história é mais difícil. Mas falar para uma televisão depois de ter morto a mãe à martelada e queimado o cadáver demonstra uma mente demoníaca.
A rapariga de 23 anos, estudante universitária, sentia-se tão confiante no seu sangue frio e na sua capacidade de representação que não temeu enfrentar uma câmara contando uma história falsa sobre o desaparecimento da mãe, depois de a ter morto e queimado!
Adoção, coabitação, manipulação, representação, tudo isto como pano de fundo de um assassínio violento com profanação de cadáver – esta história tem muitos ingredientes para refletirmos sobre as profundezas da mente humana, a malvadez e perversidade que ela pode albergar.