“Vamos sentir a vossa falta”

Este era o título de uma revista francesa – já não me lembro qual – depois de serem conhecidos os resultados do referendo que, no Reino Unido, e por uma unha negra, deu início ao processo de saída daquele país da União Europeia, popularizado por Brexit. E vamos, de facto. 

O Reino Unido, potência marítima (tal como, embora com muito menos poder militar, Portugal) era um contrapeso importante ao poder do maior Estado da União, a Alemanha, potência terrestre, com interesses que frequentemente não são os nossos. Agora, sem a oposição do Reino Unido, já consta que Angela Merkel definiu como objetivo a eleição, no próximo ano, de um alemão para o lugar máximo no executivo da União, o cargo de presidente da Comissão Europeia. Com o Reino Unido, essa eleição seria muito mais difícil. Sem o Reino Unido, resta apenas, para assegurar a eleição, de compensar os franceses, talvez com o cargo de presidente do Banco Central Europeu.

São lugares que, mais cedo ou mais tarde, ficarão novamente vagos. Já o aumento da influência da Alemanha será permanente. E os danos económicos também. Quando a hipótese de um “hard” Brexit – sem qualquer acordo entre o Reino Unido e a União Europeia – se torna mais plausível a cada dia que passa, os danos económicos estão por contabilizar, mas serão com certeza elevados. Os bens e serviços produzidos na Grã-Bretanha aumentarão de preço na União, pois terão de pagar tarifas alfandegárias, tal como os bens e serviços produzidos na União Europeia subirão de preço no Reino Unido.

Há também a questão das pessoas. Por exemplo, das dezenas de milhar de britânicos que vivem em Portugal, maioritariamente reformadas, e das dezenas de milhar de portugueses que residem no Reino Unido, maioritariamente em idade ativa. Enquanto que os primeiros terão muito maiores dificuldades em receberem as respetivas reformas, os segundos chegarão à desagradável conclusão que o tempo que trabalharam no Reino Unido não conta para a formação da respetiva reforma, se for inferior a, penso (sem ter a certeza) 15 anos.

À medida que os custos de um “hard” Brexit se tornam por demais evidentes, crescem as vozes dos que pedem um segundo referendo, com o argumento, que me parece plausível, que no primeiro muitas pessoas foram votar sem estarem devidamente informadas. Entre essas vozes está a do mayor de Londres, Sadiq Khan (Londres será duramente atingida pelo Brexit, pois perderá o seu lugar como capital financeira da Europa, provavelmente para Frankfurt, onde já está a sede do Banco Central Europeu), e pelo especulador americano de origem húngara George Soros. E afirmar que é contrário à democracia repetir referendos até que estes deem o resultado que nós queremos é um misto de ignorância (sem qualquer intenção pejorativa para o termo) e ingenuidade. Em 1992, o tratado de Maastricht, que institui a moeda única europeia, foi chumbado, também por uma unha negra, por um referendo na Dinamarca. Mas não foi isso que travou o processo.

Fizeram-se algumas alterações ao tratado e, meses depois, repetiu-se o referendo, onde desta vez ganhou o “Sim” (muito embora, ainda hoje, a Dinamarca esteja fora da zona-euro).

Faltam, pois, seis meses. O tempo escasseia para evitar uma colossal asneira, mas ainda é possível. E, dessa forma, ninguém sentirá a falta de ninguém. Isto porque os britânicos, com o seu sentido crítico, se não existissem tinham de ser inventados.