Uma triste evocação

Em Espanha também houve crise mas não houve medo. O interesse nacional sobrepôs-se a vaidades pessoais

Faz hoje dez anos que o Lehman Brothers declarou falência, provocando um terramoto que varreu o mundo. 

Na pátria da grande finança, a euforia do sucesso apoderou-se dos sacerdotes da inovação, fazendo-os saltar as barreiras da sanidade para aterrarem em terrenos onde a ficção superava a realidade, permitindo a transformação de ‘lixo’ em ‘produtos de investimento de alto rendimento’. 

Tudo com carimbo ‘AAA’, aposto por insuspeitos bancos de investimento e agências de rating, e aprovado pelas temíveis FED e SEC. 

 

Quando a crise rebentou, a construção ruiu e nenhuma economia ficou incólume, sendo mais prejudicados os países com excedentes monetários aplicados em títulos made in USA. Devedor crónico, Portugal foi poupado à perda de valor do ‘lixo’, mas os estimáveis Drs. Teixeira dos Santos e Vítor Constâncio trataram de agravar os males de uma economia demasiado exposta ao exterior. 

Anos de supervisão negligente causaram o pânico no Banco de Portugal, na CMVM e no ministério, que não encontraram melhor forma de apagar o fogo que deitar gasolina sobre as chamas. 

Ministro e supervisores poderiam ter seguido o exemplo das magistraturas que conduziam a Operação Furacão desde 2004, com total discrição, mas a ânsia de protagonismo fê-los preferir as acusações na praça pública, que desencadearam uma inusitada corrida aos depósitos. Quando já não sabiam o que fazer, um foi embora e o outro chamou a troika. 

 

Recordemos a história. A partir de 1985 surgiram bancos privados nacionais – BPI, BCP, BCI e BIC -, instalaram-se estrangeiros – americanos, ingleses, franceses, belgas e espanhóis – e a SIBS deu o empurrão decisivo para a modernização do sistema de pagamentos. 

Em 1989 vieram as privatizações, e o movimento tornou-se imparável. 

Dez anos depois, o país orgulhava-se de ter um dos sistemas financeiros mais eficientes do mundo, o Banco de Portugal celebrava os feitos e jurava pela saúde do sistema financeiro, chamando a si parte dos louros. 

 

Com a crise a alastrar, ministro e governador quiseram dar mostras de súbita diligência e inédita valentia, espadeirando à esquerda e à direita, mas sem a precaução de separar o que era tecido financeiro saudável, que deveria ser preservado, do que eram estranhos negócios de castanhas e vinho, feitos nas barbas dos supervisores, com a sua estranha complacência.

Com a confusão instalada, o Banco de Portugal não encontrou melhor saída que proclamar aos quatro ventos que o sistema bancário não era confiável, precipitando a desvalorização dos bancos nacionais, a entrega dos mais valiosos ao estrangeiro, o encerramento do Banif, do BPN e do BPP, e um forte abanão nos alicerces da Caixa e do Montepio. 

 

Em Espanha também houve crise, mas não houve medo. 

O interesse nacional sobrepôs-se a vaidades pessoais e não deixou lugar para bravatas de justiceiros: Governo e supervisores uniram-se na defesa dos seus bancos e eles… compraram os portugueses! 

Já aqui se escreveu que ‘um estúpido é mais perigoso que um bandido’. Este lamentável episódio demonstra-o à saciedade.