Brincar como antes. Dados rolam cada vez mais na vida dos portugueses

O mercado dos jogos de tabuleiro está a crescer. Segundo a Majora, desde 2016, as vendas online aumentaram 50% e nas lojas na ordem dos 25%. Para muitas pessoas, este tipo de jogos faz parte do dia-a-dia e até há quem represente Portugal em campeonatos internacionais.

Quem nunca juntou a família ou amigos para lançar os dados e começar a jogar? No Trivial Pursuit as respostas difíceis sem escolha múltipla ameaçam a vitória e no Scrabble são as palavras que mais contam. A batalha naval brinca com a conjugação entre as letras e os números enquanto no Risco a conquista de territórios é sinónimo de vitória. Há jogos de tabuleiro para todos os gostos, uns mais fáceis do que outros, alguns que demoram menos tempo e outros que nos divertem durante horas. Nos últimos tempos, a tecnologia pareceu tirar alguma visibilidade a esta forma de entretenimento, substituindo-a por um comando e um ecrã, mas desengane-se quem acredita que os jogos de tabuleiro já não fazem parte da procura dos consumidores: pelo contrário. No último ano, em Portugal, as vendas aumentaram cerca de 12% e não são as crianças quem mais procura este tipo de jogos. 

Os jovens adultos não esqueceram os jogos onde por cima de uma base plana de qualquer material se moviam peças sob regras pré-estabelecidas e são hoje os maiores impulsionadores das cerca de 1,8 milhões de unidades vendidas e que dizem respeito a 22 milhões de euros, segundo dados da GfK.

«Desde 2016 que se regista uma tendência de regresso aos jogos de tabuleiro (…) Isto tem a ver com a própria dinâmica dos jogos de tabuleiro, que são hoje muito fortes em ilustração, com dinâmicas mais rápidas, com uma grande diversidade de desafios que não se resumem a sorte ou azar, e ao mesmo tempo aproximam jogadores de diferentes idades», explicou ao b,i. Catarina Jervell, diretora geral da Majora. O confronto entre tecnologia e jogo tradicional é um problema constante, mas no entanto, a diretora da marca de jogos portugueses, criada em 1939, afirma que a procura por jogos de tabuleiro acontece porque estes oferecem «por um lado o desafio mental de montar uma estratégia para chegar a uma solução, e por outro o prazer de desfrutar de bons momentos com os amigos». 

O tempo de qualidade entre pais e crianças é um dos pontos fulcrais para que este fenómeno de crescimento aconteça também em faixas etárias mais baixas, uma vez que os pais têm um «papel determinante no desenvolvimento das crianças e é através da brincadeira que aprendem a tomar decisões, resolver problemas, seguir regras e a lidar com as emoções, seja elas de frustração, superação ou conquista», refere a diretora.

Mas a verdade é que os adultos que cresceram a brincar com este tipo de jogos são hoje o público-alvo. Tanto é que a Majora pretende agora «lançar um jogo exclusivo para adultos».

E como brincar não é um direito exclusivo das crianças e um jogo obriga sempre a que alguém saia a perder, há também quem leve os mais conhecidos jogos de tabuleiro a competições nacionais e internacionais. E por isso hoje há já centenas de casas de jogos, convívios e campeonatos específicos espalhados por Portugal e pelo mundo fora.

 

BRINCAR AOS RICOS POR UMAS HORAS

O famoso jogo onde bairros, casas e hotéis são comprados e vendidos e as taxas de quem entra em propriedades privadas não são perdoadas faz as delícias dos jogadores da «geração acima dos 35 anos até aos 50, que é a que alinha mais neste tipo de jogo», afirma ao b,i. Vítor Cândido, jogador de Monopoly [em Portugal, Monopólio] que chegou a representar as cores da bandeira nacional no Campeonato do Mundo de Monopoly, em 2004, na China. 

Desde 1996 e de quatro em quatro realizam-se os campeonatos nacionais deste jogo em que o objetivo é escolher o melhor dos melhores para representar Portugal a nível internacional num evento organizado pela Hasbro, detentora dos direitos do jogo. 

«Sentir o próprio jogo e a emoção in loco de todo o ambiente» são os ingredientes secretos que Paulo Ferreira, também jogador de Monopoly, destaca como essenciais para a paixão desta forma de entretenimento. 

Já para Vítor, o Monopoly tem características especiais como «a adaptação à realidade e ao que conhecemos, sejam ruas, clubes, países, personagens ou pessoas reais». «Sem perder a essência, vão sendo criadas novas versões que apaixonam desde os mais novos aos mais graúdos, já conhecedores da mecânica do jogo. Desde versões desportivas, de series de televisão, da 7.ª Arte, de cartas, versões digitais, de viagem, versões personalizáveis, e de outros tantos temas, aparentemente incontáveis. É um jogo que se tem adaptado de tal forma, que criou uma versão onde um dos objetivos é fazer batota, o Monopoly Cheaters Edition», enumera.

Mas além do jogo que nos pode deixar ‘ricos’, Paulo Ferreira afirma que há outros jogos com os quais as gerações dos jovens e adultos têm uma espécie de relação de carinho como o caso do Cluedo, Risco ou Trivial Pursuit

Assente na evolução dos tempos e das tecnologias, o jogador refere que «os jogos de tabuleiro travam uma disputa com o digital, que parte com a vantagem de estar mais à disposição. Continuam, no entanto, a existir os resistentes que vão organizando encontros mensais, semanais, ou quando dá, em grupos de amigos ou mesmo desconhecidos que aparecem, e que levam o seu conhecimento, ou mais recente descoberta de determinado jogo de tabuleiro, partilhando, ensinando e jogando, desde jogos clássicos aos mais recentes.»

Para vencer neste jogo cada participante tem os seus truques, uns mais secretos que outros. Paulo Ferreira, afirma que é preciso «alguma sorte, estratégia e algumas táticas que reservo», já Vítor acredita que as contas, estatísticas e probabilidades ajudam muito, mas «para ser bom jogador de Monopoly, deve essencialmente conhecer-se bem as regras. A experiência será também um forte aliado». 

 

O VELHINHO FUTEBOL DE MESA

Nem todos os jogos de tabuleiro se jogam sentados e implicam dados e peões. Neste há vinte bonecos pequenos em cima de uma base esférica, um campo de tecido verde com duas balizas, cada uma delas presa a um guarda-redes. É assim o Subbuteo, o jogo que, a pequena escala, apaixona quem gosta de futebol. 

«A dinâmica do jogo associada a uma grande dose de precisão e estratégia fazem deste jogo de futebol de mesa algo único», afirma Luís Filipe Silva, Presidente da Associação Portuguesa de Subbuteo. 

Liga dos Campeões e Liga Europa em miniatura, onde participam as melhores equipas de cada país ou até mesmo torneios nacionais e internacionais, é tudo o que a Associação Portuguesa de Subbuteo, que tutela a modalidade a nível nacional, e a Federação Internacional (FISTF) oferecem aos jogadores profissionais.

«Temos um tabuleiro/ campo e para jogar andamos à volta do mesmo e não parados de um dos seus lados», explica Carolina Villarigues, estudante universitária e membro da equipa do Belenenses.

Este jogo de um contra um é indicado para todas as idades e embora Carolina destaque os adultos como os maiores consumidores de futebol de mesa, o presidente da Associação Portuguesa de Subbuteo afirma que «nos últimos 3 anos o Subbuteo está a voltar a ter praticantes um pouco de todas as idades, pois quem jogou nos anos 80 e 90 hoje são pessoas casadas e com filhos e que estão a comprar novamente o jogo para jogarem com eles. É uma espécie de revivalismo salutar». Também ele jogador de futebol de mesa, recorda os tempos em que «nos anos 80 e durante mais de uma década o Subbuteo fazia parte das tarde passadas com os amigos».

Pedro Araújo, jogador de Subbuteo e dirigente de uma secção de futebol de mesa numa coletividade, sublinha o crescimento dos jogos de tabuleiro, «principalmente jogos de estratégia, interativos, e até mais complexos do que os habituais, tradicionais ou conhecidos jogos de tabuleiro/mesa», referindo que são «jogos que se assemelham aos de computador mas com a realidade».

O jogador refere ainda que, neste caso concreto, ser um jogo real tem bastante importância. «É muito estratégico e cognitivo, é preciso treinar como se de um desporto ou modalidade se tratasse, e há um mundo à volta deste jogo, que vai desde a escolha dos bonecos, as bases que deslizam no campo, a forma de jogar, e sobretudo não é virtual… É também uma excelente forma de passar tempo com os amigos e colegas de equipa».

Carolina Villarigues acredita que os avós e pais estão a passar a paixão que tinham por estes jogos aos filhos e a isso se deve o aumento da procura de jogos de tabuleiro. 

A jovem de 21 anos, refere também que mais do que a vitória, os jogos de tabuleiro proporcionam experiências de convívio únicas e partilha de gostos, paixões e emoções espetaculares. Há modas que não passam.

*Editado por Mariana Madrinha