O que se guarda dentro dos livros

Há pois quem tenha o hábito de semear notas entre as páginas dos livros. Muito mais comuns, porém, são os recortes de jornais, como me dizia um ilustre alfarrabista da nossa praça.

Há quem tenha a felicidade de encontrar coisas preciosas dentro de livros em segunda mão: selos raros, cartas de jogar de séculos passados, manuscritos e até dinheiro – notas, pois claro! Um livreiro do Novo México, há uns anos, deparou-se com 40 notas de mil dólares cada (já fora de circulação, mas por isso mesmo muito procuradas e com um valor superior ao facial) dentro de um livro de cozinha que tinha ido parar a uma loja de caridade.

Faz lembrar uma passagem célebre de O Imperador, o clássico de 1983 do polaco Ryszard Kapuscinski sobre a queda do regime de Haile Selassie na Etiópia. As palavras são de L.M., o camareiro do imperador: «Eles [os militares] saem pouco depois, e Sua Digníssima Majestade chama-me ao seu gabinete e manda-me esconder entre os seus livros o dinheiro que costumava ter na secretária. Uma vez que Sua Majestade, como legítimo descendente de Salomão, tinha uma grande coleção de Sagradas Escrituras, traduzidas para muitas línguas, foi aí que escondemos o dinheiro. Mas que tubarões espertos eram aqueles militares! […] Sua Majestade, sentada à secretária, mostra-lhes as gavetas vazias. Ao que os oficiais se erguem dos seus cadeirões, tiram todas aquelas Bíblias das estantes, e sacodem os dólares cá para fora, enquanto os sargentos os contam, assentam os valores, e levam-nos para serem nacionalizados».

Há pois quem tenha o hábito de semear notas entre as páginas dos livros. Muito mais comuns, porém, são os recortes de jornais, como me dizia um ilustre alfarrabista da nossa praça.

Pela minha parte, nunca me calhou em rifa nada de muito assinalável. Apenas para se ter uma ideia, o melhor que encontrei foi talvez um marcador de cartão em forma de pena, de uma marca de cola já desaparecida. Um objeto curioso – mas insignificante.

E um destes dias, pegando num livro que tinha lido há uns bons dez anos, saiu de lá de dentro uma bonita pena de ave marinha, essa das verdadeiras.

Depois, há pequenos papéis, vulgares de Lineu, que guardamos religiosamente. Como um recibo de transporte, com a impressão já muito sumida, que conservo no interior de outro livro do grande escritor polaco. O que tem de especial? Rigorosamente nada. Mas regista a data em que o comprei e recorda-me a viagem entre a feira do Parque Eduardo VII e a minha casa naquele fim de tarde de junho. Assim que me sentei no banco do autocarro tirei do saco o livro acabado de adquirir e comecei a devorá-lo, apesar dos solavancos. Fi-lo tão avidamente como uma pessoa faminta que engole a comida quase sem lhe sentir o sabor. Além de um auxiliar de memória, conservo pois o dito talão como um convite a uma nova degustação, mais atenta e demorada. Porque um bom livro tem isso: ao contrário da comida, pode ser mastigado e saboreado vezes sem conta