«Olhó buraco»

Esta fotografia, tirada na Rua Rodrigues Sampaio, em Lisboa, evidencia um buraco no passeio, através da inscrição, no chão, da chamada de atenção: «Olhó buraco». O problema dos buracos nos passeios ou nas estradas é real e precisa de ser resolvido, daí que esta iniciativa seja uma forma de intervenção no espaço público. No entanto,…

Esta fotografia, tirada na Rua Rodrigues Sampaio, em Lisboa, evidencia um buraco no passeio, através da inscrição, no chão, da chamada de atenção: «Olhó buraco».

O problema dos buracos nos passeios ou nas estradas é real e precisa de ser resolvido, daí que esta iniciativa seja uma forma de intervenção no espaço público.

No entanto, talvez este tipo de intervenção também fosse útil nas nossas vidas, havendo sinais que nos avisassem de possíveis buracos ao longo do caminho da vida. Assim, quando, incautos, passeássemos pela vida, ao vermos a indicação «Olhó buraco», saberíamos que era necessário fazer um desvio para não cairmos na armadilha. Tratar-se-ia de uma advertência muito útil, porque nos permitiria antecipar possíveis «buracos», o que nos daria tempo para reagir.

Na realidade, os amigos têm um pouco essa missão. São eles quem nos avisa de que não devemos agir de determinada maneira ou quem nos aconselha a atuar de dado modo. Esta ajuda, por partir de uma visão exterior, é realmente preciosa, por conter sementes de bondade, por assentar na vontade sincera de ajudarmos um amigo a interpretar as pistas que a vida dá e, em função da descodificação dessas pistas, tomar as melhores opções.

Se a vida fosse legendada em função de um código da estrada da vida, a nossa circulação seria muito mais fácil, até porque, muitas vezes, ignoramos os sinais que a vida nos dá. Como diz Adília Lopes: «Deus é a nossa / mulher-a-dias / que nos dá prendas / que deitamos fora / como a vida / porque / achamos / que não presta».

Mas essa facilidade de prever o que iria acontecer retiraria espontaneidade e emoção à vida. Se soubéssemos antecipadamente o que poderia vir a acontecer, nunca seríamos surpreendidos e nada seria natural. Esses sinais, que nos avisariam do perigo, da proibição ou da prioridade, dar-nos-iam pistas sobre o modo como deveríamos agir ou avisar-nos-iam de acontecimentos que poderiam surgir no nosso caminho. De um modo mais sofisticado, é isso que preveem os filmes de ficção, em que o homem tem capacidades sobrenaturais, que lhe permitem antecipar os acontecimentos e, assim, agir em conformidade.

Porém, todos concordamos que esses filmes retratam sociedades muito automatizadas e pouco humanas. A previsibilidade afasta os sentimentos, e a emoção deixa de existir. Inclusivamente quem gosta de ver este tipo de filmes considera que se trata de pura ficção e não gostaria de viver num mundo assim. Mesmo que gostasse de experimentar e de ver como é, gostaria apenas de ter uma breve experiência e não de viver toda a vida em tal situação.

Transportarmo-nos para outra realidade é uma forma de fuga, que todos sabemos ser efémera, porque a verdadeira realidade é a que está à nossa volta e, sobretudo, dentro de nós. Diz Santo Agostinho: «As pessoas viajam para admirar a altura das montanhas, as imensas ondas dos mares, o longo percurso dos rios, o vasto domínio do oceano, o movimento circular das estrelas. E, no entanto, elas passam por si mesmas sem se admirarem». E as pessoas são realmente motivo de espanto, porque são elas quem vive neste mundo, quem é capaz dos maiores atos de altruísmo e das maiores atrocidades, quem é capaz de se assemelhar a um deus ou a um demónio, quem, dentro de si, tem tudo aquilo de que necessita para viver.

É extraordinário como, ao longo da vida, vamos descobrindo em nós características que não conhecíamos. E, exteriormente, vamos mostrando sinais da passagem do tempo. Como diz, de forma poética, Afonso Cruz, em Vamos Comprar Um Poeta: «As rugas são as cicatrizes das emoções que vamos tendo na vida». E sem essas emoções, a vida não seria vida. É isso que nos faz andar.

 

Maria Eugénia Leitão