Marcelo afasta recandidatura em 2021 em nome da credibilidade das instituições

Ao envolver Marcelo na questão, Costa fez xeque-mate: quem sai mal visto na fotografia na sequência da não recondução de Joana Marques Vidal, neste contexto, já não é o Primeiro-Ministro, mas sim o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa

1.Afinal, havia outra – e nós sem nada saber, sorríamos. Com todo o devido respeito (que é muito), a “outra” é Lucília Gago, a nova Procuradora-Geral da República a partir de Outubro: Joana Marques Vidal (sabemos agora) nunca foi equacionada para um novo mandato na liderança do Ministério Público.

Perguntarão, então, os leitores mais atentos: “então, mas se a recondução de Joana Marques Vidal nunca foi ponderada, por que razão o “Expresso” garantiu que António Costa iria ouvir os partidos e cederia à vontade de Marcelo Rebelo de Sousa, mantendo a Procuradora cujo trabalho mereceu encómios de todos os quadrantes políticos e de todos os sectores da sociedade portuguesa?”. A resposta é excessivamente fácil: esta estratégia de comunicação fez parte da encenação que o Governo de António Costa montou para nos enganar a todos, cumprindo o seu plano inicial (afastamento de Joana Marques Vidal) com o mínimo dano político possível.

Ao envolver Marcelo na questão, Costa fez xeque-mate: quem sai mal visto na fotografia na sequência da não recondução de Joana Marques Vidal, neste contexto, já não é o Primeiro-Ministro, mas sim o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Expliquemos.

2.António Costa percebeu que a opinião pública não iria perdoar o afastamento liminar de Joana Marques Vidal – e que, caso levasse a sua vontade avante sem uma estratégia de comunicação política bem urdida, daria azo a mais uma oportunidade para Marcelo Rebelo de Sousa reforçar a sua autoridade (e popularidade), a expensas da autoridade e prestígio do Governo.

Ou seja: perante o ambiente político criado em torno da recondução da Procuradora-Geral da República, cuja nota mais distintiva era o confronto (real) entre Marcelo e António Costa – o Primeiro-Ministro (habilidoso e maquiavélico, como sempre) sabia que só um poderia ganhar.

No cenário de recondução de Joana Marques Vidal, o Governo perderia, pois tal significaria uma cedência a Marcelo Rebelo de Sousa, que este poderia capitalizar; já no cenário diverso de não recondução, importaria não permitir que o Presidente da República replicasse o discurso letalmente crítico que havia feito na sequência de Pedrógão Grande (tal seria um duro revés para António Costa, à distância de um ano das eleições legislativas e em vésperas de aprovação de um orçamento eleitoralista, cuja impacto mediático importa reforçar e não esbater – como aconteceria na hipótese de Marcelo Rebelo de Sousa criar ruído a propósito da saída de Joana Marques Vidal).

3.Ora, perante esta quadratura do círculo, António Costa fez o que qualquer político maquiavélico, sem qualquer pejo ético ou de dignidade institucional, faria: entalou Marcelo Rebelo de Sousa, coresponsabilizando-o pela decisão do Governo. Como?

Primeiro, colocando o “ponta de lança” socialista, Carlos César, a afirmar que Marcelo Rebelo de Sousa, em 1997, defendera que o mandato da PGR deveria ser único e prolongado, atendendo à conveniência política de então e a insinuar subtilmente que o PS lançaria um campanha de descredibilização do Presidente da República (trazendo à baila episódios e declarações de 1997) se este não cobrisse a decisão de António Costa; segundo, criando a aparência (a encenação) de que o Governo estaria disposto a dialogar com os partidos da oposição, a discutir a matéria com o Presidente da República, de forma a encontrar uma solução abrangente, unificadora e não divisiva. A bem do equilíbrio institucional e da vitalidade democrática.

E assim sucedeu: António Costa foi falando com Marcelo em privado, ao mesmo tempo que Carlos César atacava Marcelo publicamente; António Costa criou a ideia de que iria ouvir – e anunciou tal audição – os partidos políticos antes de tomar uma decisão sobre o futuro da Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal.

4.Tudo mentira. Tudo uma encenação – afinal, a decisão já estava tomada: Joana Marques Vidal não iria continuar em exercício de funções. O PSD e o CDS foram humilhados, porque a sua posição não serviu para rigorosamente nada e contribuíram para o espectáculo mediático de “demonstração de tolerância e abertura democrática” montado por António Costa para legitimar, de facto, a sua decisão; o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, por seu turno,  confirmou que a sua popularidade não se traduz em autoridade política.

Pelo contrário: apesar das sondagens e das “selfies”, Marcelo politicamente é mais insignificante do que Cavaco Silva nos seus piores momentos. O que se percebe: Marcelo Rebelo de Sousa perde tanto tempo nas romarias e nas “selfies” que acaba por não ter tempo para pensar e decidir adequadamente as questões políticas que lhe são suscitadas. Senão, vejamos.

Marcelo exigiu uma resposta célere e apuramento cabal do sucedido em Tancos. Até hoje, nada – o Governo até brinca com a situação.

Marcelo exigiu uma resposta adequada aos incêndios florestais, com um processo de reconstrução rápido, transparente e eficaz, com um eventual apuramento de responsabilidades políticas. Até hoje, só a Ministra Constança Urbano de Sousa foi demitida – de resto, “tudo como dantes, Quartel-General em Abrantes”.

Nada mudou. Pior: o processo de construção aparentemente está repleto de falcatruas, com o PS (partido de António Costa) a apoiar o Presidente da Câmara em causa; o Governo cativou dinheiro da União Europeia destinado ao processo de reconstrução das zonas afectadas e os portugueses perderam confiança nas iniciativas de solidariedade social. O que fez o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa? Zero.

Pelo contrário, Marcelo Rebelo de Sousa convida os Ministros responsáveis para passear, tirar selfies e dar beijinhos, branqueando a sua responsabilidade política objectiva.

5.Marcelo deveria – como homem moderado que é –funcionar como força moderadora da solução política apoiada pela extrema-esquerda, mantendo distanciamento crítico face a António Costa e ao seu Governo. O princípio da separação de poderes até imporia tal conduta institucional. Mas não: Marcelo Rebelo de Sousa até vai jantar com António Costa e a sua esposa, Fernanda Tadeu, quando está de férias no Algarve!

Como é que depois se pode confiar que o Presidente da República Marcelo tem uma independência emocional e afectiva relativamente ao Primeiro-Ministro que lhe permita tomar as decisões difíceis que o interesse da República Portuguesa impõe? Politicamente, aquilo que parece, é: neste caso, parece que António Costa fez “gato sapato” do Presidente Marcelo; logo, politicamente, António Costa fez mesmo “gato sapato” do Presidente Marcelo.

António Costa foi, pois, o político experiente, maquiavélico, habilidoso; Marcelo Rebelo de Sousa foi o político amador, ingénuo, que se deixou manipular facilmente. O que diria o Marcelo-comentador desta versão politicamente pueril do Marcelo-Presidente?

5.Esta história da não recondução da Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, foi, aliás, uma sucessão de trapalhadas do Presidente Marcelo.

Primeiro, criou a ideia de que Joana Marques Vidal seria reconduzida; depois, quando foi confrontado por Carlos César e António Costa, Marcelo começou a recuar, publicando comunicados no site da Presidência dando conta de que só tomaria uma decisão no momento oportuno; ontem, Marcelo veio revelar que sempre havia defendido a limitação do mandato do PGR, acolhendo a tese de António Costa.

O ponto que mais deve preocupar os portugueses é a razão justificativa para estas voltas e reviravoltas do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa: o Presidente sentiu-se acossado por Carlos César e as suas insinuações de que iria revelar posicionamentos políticos de Marcelo sobre esta matéria adoptados em 1997, recusando afrontar o PS de Costa. Marcelo Rebelo de Sousa teve, enfim, medo de diminuir a sua popularidade junto dos eleitores de esquerda.

Ora, isto confirma a obsessão de Marcelo com as suas sondagens e a popularidade que o está a limitar no exercício pleno dos seus poderes presidenciais: mais do que resolver problemas, Marcelo quer ficar na história como o “Presidente pop star”. O Presidente da República encara a popularidade não como um meio para atingir um fim, para prosseguir um desígnio político que corresponda ao interesse nacional – mas sim como um fim em si mesmo, como uma forma de satisfação e engrandecimento pessoal.

Senão, como compreender que Marcelo seja o Presidente mais popular, ao mesmo tempo, que é o Presidente politicamente mais inoperante (até ao momento) da história democrática portuguesa? Veremos o que Marcelo Rebelo de Sousa fará no próximo ano…

Uma certeza: os portugueses terão de estar muito atentos ao posicionamento político do Presidente, até porque, na questão da Procuradora-Geral da República, Marcelo escolheu proteger António Costa em detrimento do povo português.

6.Finalmente, importa reter a notícia muitíssimo relevante dada por Marcelo Rebelo de Sousa, que a comunicação social ignorou: Marcelo não se recandidatará a um segundo mandato, em 2021. Porquê?

Porque Marcelo, como escreveu no seu comunicado, publicado no site da Presidência, dando razão a António Costa, sempre defendeu a limitação de mandatos, como garante da vitalidade da democracia, da credibilidade das instituições e da renovação de pessoas e estilos. Ora, este critério, sendo válido para a Procuradora-Geral da República, também terá de o ser para o próprio Presidente da República. Não consideramos sequer a possibilidade de Marcelo ter um critério para os outros – e outro, completamente diferente, em benefício próprio….

7.Acresce, ainda, que Marcelo Rebelo de Sousa (que agora vem dizer que sempre defendeu um mandato único para a PGR) há anos, incluindo na campanha eleitoral, que vem preconizado que o mandato do Presidente da República deveria ser limitado a um, sem possibilidade de reeleição.

Em entrevista durante a campanha de 2016, Marcelo afirmou mesmo que confidenciara ao seu neto Francisco que “isso do Presidente trabalhar para ser reeleito, não decidindo isto ou aquilo para não perder popularidade, não devia existir”. Pois bem, com a mesma coerência com que Marcelo Rebelo de Sousa vem agora defender a impossibilidade de recondução de Joana Marques Vidal respeitando uma posição sua de há vinte e um anos, não se poderá recandidatar a um segundo mandato em Belém, à luz daquilo que defendeu em 2016.

Os portugueses não perceberiam que Marcelo não fosse tão coerente com ele próprio como é com os outros…Ontem , ficámos a saber, por conseguinte, que Marcelo Rebelo de Sousa exclui a renovação do seu mandato por sufrágio dos portugueses; a limitação de mandatos, em homenagem à renovação dos estilos e das pessoas e da credibilidade das instituições,  assim o impõe.

P.S – Nós, como é público e notório, gostamos muito de Marcelo Rebelo de Sousa e pertencemos ao grupo restrito dos “marcelistas”. No entanto, os nossos juízos pessoais e de amizade não se podem confundir com os juízos políticos – a nossa função de analista implica distanciamento crítico face aos actores políticos, mesmo quando são nossos amigos e credores da nossa admiração. No fundo, fazemos aquilo que Marcelo Rebelo de Sousa não tem sabido (ou querido) fazer em relação a António Costa.

joaolemosesteves@gmail.com