Os estragos do caso Robles

Envolvido numa investigação histórica com algum fôlego, vejo os pequenos episódios da política caseira com um distanciamento que lhes acentua a irrelevância.

Mas impressionou-me a quantidade de erros cometidos por Catarina Martins nos últimos dois meses.
Catarina era uma heroína. 
Apesar da sua pequena estatura, encarnou a personagem de grande líder da extrema-esquerda.
Apesar de pertencer à burguesia nortenha, encenou o papel de defensora dos pobres e dos desprotegidos.
E fê-lo com indiscutível talento.

No momento em que pegou no Bloco de Esquerda, este estava feito em cacos.
Tinham saído alguns dos seus rostos emblemáticos como Daniel Oliveira, Rui Tavares e Ana Drago, tinha falecido Miguel Portas, e o próprio Francisco Louçã deixara a presidência.
A liderança bicéfala que Catarina ensaiara com João Semedo fora um desastre.
O BE parecia condenado ao desaparecimento.
Pois Catarina agarrou-o pelos cornos e, com a ajuda de umas «carinhas larocas» – como diria sem maldade Jerónimo de Sousa – fê-lo renascer das cinzas, conseguindo nas legislativas uns surpreendentes 10,2%.
E este resultado deu-lhe a possibilidade de participar na maioria de apoio a um Governo de esquerda.

No processo de formação da ‘geringonça’, Catarina assumiu por vezes o principal papel, chegando-se à frente e antecipando-se aos acontecimentos e aos líderes dos outros partidos da futura maioria.
E, no suporte ao Governo de António Costa, mostrou uma habilidade invulgar, ora criticando-o ora apoiando-o, num jogo de escondidas que manteve o BE unido e, ao mesmo tempo, não teve grandes consequências para o Executivo.
Estavam as coisas neste pé quando saiu a notícia de que o vereador Ricardo Robles tinha um prédio em Alfama que adquirira com o objetivo mais ou mesmo óbvio de fazer especulação imobiliária.
Comprara-o por 347 mil euros em leilão público, recuperara-o e tentara vendê-lo por 5,7 milhões – embora depois o retirasse do mercado.
Mas a intenção especulativa era óbvia.
Foi aqui que começaram os erros de Catarina.
Em vez de cortar o mal pela raiz, forçando a demissão do vereador e não deixando o caso alastrar, decidiu defendê-lo.
Convocou mesmo uma reunião do partido com o objetivo de apoiar Robles.
E fez declarações públicas onde metia os pés pelas mãos, tentando explicar o inexplicável.
Não percebendo que a questão não tinha saída, provocou o seu arrastamento – e só quando viu que o fogo se tornara incontrolável se retirou de cena, deixando cair o vereador.

Mandava o mais elementar bom senso que o BE não voltasse ao assunto e nos próximos tempos não falasse de habitação e especulação.
Não seria levado a sério se o fizesse e cairia no ridículo.
Eu mesmo o escrevi na altura.
Mas surpreendentemente Catarina Martins quis desafiar as evidências.
Na rentrée, apareceu a propor um novo imposto sobre a especulação imobiliária!
Parecia mentira mas era verdade.

Qual terá sido a intenção de Catarina com este gesto?
Provar que o BE não se deixara condicionar pelo ‘caso Robles’ e prosseguia a sua luta como se nada tivesse acontecido?
Se foi assim, Catarina Martins revelou uma grande ingenuidade – ou, então, uma confiança excessiva em si própria e na sua capacidade para condicionar a realidade.
Mas esta impôs-se: o novo imposto foi rapidamente batizado de ‘taxa Robles’, e as pessoas riram-se da proposta.
O único que não o fez foi Rui Rio – que a levou a sério e até a recuperou com outra roupagem.
Mais uma vez Rio espalhou-se ao comprido.
Até podia ter razão – mas associar-se a uma medida que já estava coberta de ridículo e de que as pessoas gozavam não foi uma atitude sensata.
O que se passou nos últimos dois meses vai ter importantes custos.
Catarina Martins, que estava fadada para largos voos, sofreu uma pesadíssima  derrota.
Na verdade, uma dupla derrota: se até à rentrée só havia o ‘caso Robles’, depois passou a existir também a ‘taxa Robles’.
Catarina vai ser perseguida por ambas – e isso terá consequências nas urnas.
Quanto a Rio, estes erros só lhe vão minando a imagem e transferindo votos para Assunção Cristas, que é muito mais firme e direta.
Rui Rio faz lembrar Marinho Pinto numa versão mais elaborada.
Anda por aí sem perceber muito bem o que está a fazer – e o que se pediria a um presidente do PSD.
E talvez nunca venha a perceber.