Estas palavras têm quase cinquenta anos e a administração Trump salgou ainda mais a ferida. O problema dos europeus mantém-se. Pela voz de Jean-Claude Juncker, no discurso do Estado da União, Bruxelas quer dar a volta ao texto e promete um euro forte, capaz de pôr em causa a dominação do dólar na cena global. O luxemburguês não está sozinho neste objetivo. Há diversos blocos geográficos com motivos para reduzir a exposição ao dólar. A China por causa das tensões comerciais; a Rússia e o Irão por causa das sanções; o Japão por sentir que o chapéu de segurança americano na região já teve melhores dias; e a Europa por perceber que a relação transatlântica está a descambar.
O objetivo de Juncker enfrentará, pelo menos, dois grandes problemas.
Problema número um: o dólar é, e continuará a ser durante muito tempo, a principal moeda do sistema internacional. Oitenta e oito por cento das transações cambiais envolvem dólares; duas em cada três notas de 100$ estão fora dos EUA; 80% do petróleo e a esmagadora maioria das commodities são negociadas em dólares; o ranking dos mais ricos do mundo é feito em dólares; e até no mercado negro são as notas verdes que reúnem a preferência de traficantes e senhores da guerra.
O momento unipolar ainda é uma realidade no domínio monetário. O dólar tem tudo o que é preciso para ser a moeda hegemónica: tamanho, estabilidade, segurança e liquidez. Valéry Giscard d’Estaing chamava-lhe «privilégio exorbitante».
Isso dá à Casa Branca uma arma económica incrível que sustenta o regresso de Donald Trump a predisposições unilaterais. O Irão é um bom exemplo: ignorando os aliados, Trump decidiu rasgar o acordo nuclear com Teerão e impor sanções violentas ao país dos aiatolas. Mas as relações comerciais entre a UE e o Irão já valem 20 mil milhões. Grandes empresas europeias tentaram preservar esse mercado contornando as sanções. Em vão. A dependência do sistema financeiro americano deixa a Europa com a jugular exposta.
Seja para pressionar adversários ou para condicionar os aliados, o dólar tem a força de um batalhão.
Problema número dois: será que os europeus querem mesmo um euro maior quando tantos defendem uma União mais pequena? Recorde-se que, em certa medida, é a resposta à crise do euro que está na génese da reemergência de forças extremistas e populistas no continente. Mas admitamos que sim: há um consenso político que suporta o projeto de uma moeda única capaz de pôr o dólar em sentido. Então, nesse caso, estará a Europa disposta a fazer agora tudo aquilo que não foi capaz de fazer nos últimos anos ao nível do aperfeiçoamento da supervisão, do aprofundamento político da governação e do alargamento da zona euro?
As palavras de Juncker sobre o euro apontam em dois sentidos: para maior integração europeia num tempo em que as forças centrífugas ganham terreno, por um lado; desafiam a ortodoxia europeia a rever os limites autoimpostos à moeda única que, para muitos, cavaram o fosse das desilusões entre o Norte e o Sul na eurozona, por outro.
O eco de Connally ouve-se nos corredores de Bruxelas. E Juncker está certo: está na altura do dólar deixar de ser problema nosso.