Itália. Os grandes goleadores

Ronaldo na senda de Schönfeld, o guarda-redes, de Magnozzi, que foi mulher, e de Nordhal, o bombeiro, os ‘cappocannonieri’ de Itália.

Cristiano Ronaldo começou a marcar golos na Juventus e, sonhando alto como sempre sonha, não deixará de ter na mira (finalmente afinada) o prémio para melhor marcador do campeonato. Os italianos fazem recuar a lista dos capocannonieri à época de 1923-24. E a razão é simples: é a primeira na qual a contabilidade dos golos de cada jogador pode ser aferida sem margem para erros. Estamos longe de saber se o português vai figurar entre os maiores, mas isso não justifica que não falemos sobre eles. A começar por uma figura magnífica chamada Heinrich Schönfeld. Nasceu em Cluj, hoje em dia Roménia e ao tempo (1900) Império Austro-Húngaro, de família alemã e começou a sua carreira no futebol jogando a guarda-redes das balizas do Sport Club Rudolfshügel, com 20 anos. Não devia sentir-se muito feliz debaixo das traves porque, logo na época seguinte instalou-se no Tirol do Sul e no Sportclub Merano mas atuando como avançado-centro. Tinha jeito para a função. Contratado pelo Torino em 1923, marcou 22 golos e não houve melhor do que ele. O campeonato italiano desse tempo era um pouco diferente, com uma Série A e uma Série B que apuravam os primeiros classificados para uma final a duas mãos. Ganhou o Génova. Schönfeld seria contratado pelo Inter antes de seguir para Viena e jogar no clube judeu do Hakoah. Uma digressão pelos Estados Unidos valeu-lhe um convite e por lá ficou até se tornar treinador e regressar a Itália já com a alcunha de Beppo. Entretanto parece ter perdido o jeito para meter a bola nas balizas alheias.

Sucedeu-lhe Mario Giovanni Marcelo Magnozzi, do Livorno com 16 golos, famoso por ter sido durante grande parte da sua vida uma mulher, não por uma questão glandular mas por uma imprecisão notarial: quem lhe fez o registo declarou-o como do sexo feminino e o erro durou anos suficientes para ter sido obrigado a suscitar a anulação de um casamento não consumado com um tal de Dino Ricci.

Com os problemas de Magnozzi puderam bem o húngaro Ferenc Hirzer, da Juventus, o argentino nacionalizado italiano Julio Libonatti, do Torino, e o italiano Gino Rossetti, também do Torino, que acompanhados pelo enorme Guiseppe Meazza, na altura no Inter mas que jogou igualmente no Milan, foram os primeiros a atingir marcas superiores a 30 golos por campeonato. Meazza, que para muitos é o grande jogador da história do futebol da Itália, também se tornou no primeiro capocannoniero a afirmar-se por três vezes como tal (1929-30, 1935-36 e 1937-38), proeza que, depois dele, foi assinada por Aldo Boffi (Milan), Michel Platini (Juventus), Roberto Pruzzo (Roma), Paolo Pulici (Torino), Giuseppe Signori (Lazio) e pelo inesquecível Gigi Riva (Cagliari). 

Nomes com os de Zlatan Ibrahimovic (Inter e Milan), Andrij Sevchenko (Milan), Marco Van Basten (Milan) ou Antonio Di Natale (Udinese) surgem na contabilidade dos que foram marcadores do campeonato por duas vezes. Tal como acontece com o famoso jogador do Inter e da Juventus nos anos 70, Roberto Boninsegna, com o campeão do mundo em 1938, Silvio Piola (passou pela Lazio, Torino e Juventus) ou com Hector Puricelli Seña, de seu nome de batismo no Uruguai, e Ettore Puricelli após a naturalização, grande cabeciador do Bolonha e do Milan e que, como treinador, ainda fez uma época no FC Porto: 1959-60.

‘Il Pompieri’

Assim ficou conhecido em Itália o sueco Nils Gunnar Nordhal, natural de Hörnefors (1921) e que veio do Norrköping para o Milan em Janeiro de 1949. Com Niels Liedholm e Gunnar Gren formou o famoso trio de suecos Gre-No-Li. 

Logo na primeira época atingiu a marca de 35 golos, coisa que só Julio Libonatti (35) e Gino Rossetti (36) haviam conseguido. Depois foi preciso esperar 66 anos para ver outro avançado, Gonzalo Higuaín (Nápoles), fazer o mesmo (36 golos em 2015-16). 

Nordhal, bombeiro na sua Suécia natal, tinha como único concorrente outro nórdico, o dinamarquês John Hansen, da Juventus. A competição não deixou dúvidas quanto ao vencedor. O sueco foi o melhor marcador em 1949-50, como já vimos, e também na seguinte, dessa vez com a marca de 34 golos. Em 1951-52 teve uma quebra: só fez 26  e viu-se ultrapassado por Hansen com 30. Não se podia dizer que as defesas prevalecessem perante os ataques, nesse tempo.

Nordhal não se deu por satisfeito: foi o capocanoniero nas três edições seguintes da Série A, com 26, 23 e 27 golos e tornou-se no maior goleador de sempre do calcio. Aliás, só o francês Platini copiou essa tripleta consecutiva, em  1982-83, 1983-84 e 1984-85, embora com números muito mais modestos – 16, 20 e 18 golos, respetivamente.

As equipas italianas tinham recuado drasticamente no terreno e não se expunham, como antes, à ferocidade dos avançados contrários. Os 36 golos de Higuaín foram uma exceção numa listagem que só atingiu a terceira dezena com Luca Toni (Fiorentina), em 2005-06. Nas duas últimas épocas os capocanonieri andaram lá perto: Dzeko (Roma), 29; Iccardi (Inter) e Immobile (Lazio), 29. Para que números aponta Ronaldo? Não certamente para os que levou de Espanha. Mas provavelmente para um destaque que não aparece desde Del Piero, o último avançado da Juventus a ganhar o prémio, em 2007-08, com 21 golos. O gesto é seu.