«Eu vou andar, andar…»

Esta extensíssima inscrição, ao longo de um muro do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, diz: «Eu vou andar, andar. Eu vou te procurar até te achar. Até o meu coração parar… Tu és o meu par!» Trata-se de uma pintura que chama a atenção exatamente pela sua extensão. É de tal maneira longa que…

Esta extensíssima inscrição, ao longo de um muro do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, diz: «Eu vou andar, andar. Eu vou te procurar até te achar. Até o meu coração parar… Tu és o meu par!» Trata-se de uma pintura que chama a atenção exatamente pela sua extensão. É de tal maneira longa que não é possível captá-la facilmente, tendo sido necessárias dezenas de fotografias para a registar. Porém, acaba por ficar encoberta pelos carros estacionados à sua frente e que a encobrem.

Esta declaração de intenções assemelha-se a uma declaração de amor. O seu autor tem a certeza de que uma determinada pessoa é o seu par, e está determinado a andar até encontrar a pessoa amada. Parece, pois, que ainda não a conhece, mas tem esperança de vir a conhecê-la. É, assim, pois, uma declaração de esperança muito forte.

E a esperança é um dos principais motores que nos faz viver. A esperança é o alimento da alma, é o que nos conforta e dá confiança para seguir em frente. Porque a esperança nos dá alento e coragem, necessários para fazer tudo o que for preciso para alcançar os sonhos. Sem esperança não conseguiríamos olhar para um amanhã nebuloso e incerto. Só com esperança podemos almejar um amanhã como sonhámos, um futuro como gostaríamos. E a falta de esperança leva-nos à angústia de que fala Sophia: «As paredes são brancas e suam de terror / A sombra devagar suga o meu sangue / Tudo é como eu fechado e interior / Não sei por onde o vento possa entrar». E não há forma de o vento da esperança entrar quando nos abandonamos a nós próprios e abandonamos a possibilidade de vislumbrar tal réstia de esperança.

Porque, como diz ironicamente Bernardo Pinto de Almeida: «A vida é uma doença de que alguns se curaram», enquanto o poeta se depara com a sua incapacidade para ser grande: «Passo os dias sentado num café à distância / e entre mim e mim há já uma intimidade insuportável / (…) / Fui dos que julgaram ter nascido para tornar grande o mundo, / mas atrasei-me, de propósito, numa sala cheia de homens. / Procuro perceber o tempo que me cabe». Só percebendo esse tempo único que cabe a cada um é possível enfrentar a realidade e viver.

Ora, o autor da declaração pintada na parede conhece bem esse tempo único e individual, essa segunda pele colada à pele original, que serve simultaneamente como filtro e como camada protetora do exterior. É essa consciência que o leva a ter a certeza de que encontrará o seu par, a pessoa única que, segundo crê, está à sua espera e o completa.

Poucas são as pessoas com tanta determinação e certeza de que existe alguém que lhes está destinado. Ou, como alguns pensam, predestinado.

Ao ler a inscrição na parede, também eu fico com esperança de que o seu autor encontre a pessoa amada. Oxalá se encontrem e sejam felizes, como nos contos de fadas. Porque a vida tem de ser vivida com paixão.