O que é feito do inquérito ao furto de Tancos?

O caso de Tancos é uma vergonha para as Forças Armadas e para um ministro da Defesa que não sabe nada de nada

Pode o diretor da Polícia Judiciária Militar (PJM) ser detido por causa de rivalidades corporativas ou por simplesmente ter autorizado o encobrimento e proteção de um informador?

Claro que não pode.

Pode a Polícia Judiciária – civil – desencadear uma operação a nível nacional, com buscas e detenções de militares, devidamente validadas por magistrados, apenas e só porque ‘quer ficar com os louros da investigação’ do assalto aos paióis de Tancos?

Obviamente, também não pode.

No caso de Tancos, não houve direito a conferência de imprensa explicativa das detenções e das diligências de recolha de prova levadas a cabo pela investigação, ao contrário do que sucedeu nas detenções da mulher do triatleta Luís Grilo e do amante daquela, um oficial de Justiça, suspeitos de o terem assassinado à pancada e com um tiro na cabeça –  o diretor da PJ de Lisboa esclareceu com detalhe o que considerou poder ser público sobre o processo.

Sobre Tancos, em matéria de esclarecimentos públicos, ficámo-nos, por ora, pelas declarações dos advogados de defesa (segundo os quais tudo não passa de um conflito corporativo) e pela habitual e resumida nota da Procuradoria-Geral da República, da qual  se destacam dois parágrafos: «Neste inquérito investigam-se as circunstâncias em que ocorreu o aparecimento em 18 de outubro de 2017, na região da Chamusca, de material de guerra furtado em Tancos» e «Em causa estão factos suscetíveis de integrarem crimes de associação criminosa, denegação de Justiça, prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder, recetação, detenção de arma proibida e tráfico de armas».

A nota da PGR – sempre meticulosa na escolha dos termos – é reveladora.

Do primeiro parágrafo citado resulta, desde logo, a confirmação de que houve furto de material de guerra em Tancos (coisa que o ministro Azeredo Lopes chegou a pôr em causa a uma dada altura).

Depois, fala-se em furto e não em roubo: o que quer dizer que todo o material de guerra furtado foi subtraído dos paióis sem que ninguém responsável pela sua guarda tivesse dado por ela ou, mais grave (e também mais provável), militares ou ex-militares responsáveis pela guarda dos paióis estarão envolvidos no furto.

Vejamos agora o segundo parágrafo citado. Os crimes em causa, entre outros, incluem ‘associação criminosa’ e ‘tráfico de armas’. Tratando-se de militares, incluindo o diretor da PJM, e de um civil, não estamos a falar de coisas simples nem que deem vontade de rir (ao contrário do que disse às tantas Ferro Rodrigues) nem de brincar (como ainda recentemente o fez Rui Rio).

Sim, são crimes muito graves – como está farto de repetir o Presidente da República – e todas as circunstâncias envolventes desabonam as Forças Armadas e suas chefias, feridas na sua dignidade em muito mais do que se tivessem levado com ‘um murro no estômago’, para utilizar as palavras do CEMGFA, general Pina Monteiro.

Mas esta investigação, como resulta da nota da PGR, não é a investigação ao furto de material de guerra dos paióis de Tancos, mas, sim, ao seu aparecimento na Chamusca e respetiva recuperação pela PJM e pela GNR de Loulé.

Ou seja, sobre o furto de Tancos deverá haver outro inquérito. Do qual, por mais incrível que possa parecer, nada se sabe.

O caso do furto de material de guerra dos paióis de Tancos é uma vergonha nacional. Com reflexos internacionais. Reputacionais e não só.

António Costa pode continuar a dizer que nunca viu «ninguém intranquilo com este assunto», como pode continuar a elogiar a PJM e a GNR pela recuperação do material desaparecido de Tancos, como o fez há menos de um ano, após a encenada devolução na Chamusca.

Pode também dizer que mantém a confiança num ministro da Defesa que não tem a confiança de mais ninguém e que nem desconfia de ninguém – nem do chefe de Estado Maior do Exército, cuja gestão de todo este caso de Tancos tem sido pior do que desastrosa.

Rui Rio também já veio dizer que sabe mais do que pode dizer sobre este caso, mas não diz e ri-se.

Marcelo Rebelo de Sousa adiantou, por seu lado, que estava por semanas ou por dias a revelação de conclusões da investigação.

Passados poucos dias, esta semana, confirmaram-se, de facto, novos desenvolvimentos no inquérito às circunstâncias em que ocorreu o aparecimento na Chamusca de material de guerra furtado em Tancos.

Ou seja, sobre o furto dos paióis de Tancos propriamente dito, e ao contrário do que disse Marcelo, ainda não há novidade alguma.

A não ser que, e vá lá perceber-se por que razão, alguém se tenha lembrado de enquadrar nas ‘circunstâncias em que ocorreu o aparecimento’ de material de guerra na Chamusca o próprio desaparecimento do dito dos paióis de Tancos.

Seja como for, esta procissão ainda vai no adro. Ou melhor, começou pelo fim – como se o andor não estivesse guardado na igreja nem ninguém tivesse entrado na sacristia.

Por amor da santa!