«Com paixão»

Esta inscrição, nos Anjos, em Lisboa, lembra-nos que devemos viver «com paixão» e é ilustrada por um coração radioso com um olho. Mas, ao pronunciarmos as palavras escritas, o seu som lembra também o homófono, numa só palavra – «compaixão». O que está escrito na parede só tem um pequeno fôlego a mais para passar…

Esta inscrição, nos Anjos, em Lisboa, lembra-nos que devemos viver «com paixão» e é ilustrada por um coração radioso com um olho. Mas, ao pronunciarmos as palavras escritas, o seu som lembra também o homófono, numa só palavra – «compaixão». O que está escrito na parede só tem um pequeno fôlego a mais para passar de nós para os outros. Enquanto viver «com paixão» é um movimento interior, em que o próprio vive e sente paixão pela vida ou por alguém, sentir «compaixão» é um movimento virado para o exterior, focado no outro, naquele por quem se sente compaixão.

É a compaixão que nos leva a querer consolar os outros, a querer acompanhá-los nesse seu momento de dificuldade, solidão ou tristeza.  Diz Tolentino Mendonça: «Acompanhar a solidão dos outros e a nossa: é isso que cum-solatio também significa, mesmo se consolador e consolado saibam que nenhuma consolação restaura a perda e o luto de certas travessias ou resolve a dilaceração das feridas que mais nos rasgam».

A compaixão é, pois, um bálsamo para nos ajudar a lidar com situações em que procuramos ajudar os outros a enfrentar ou conviver com o seu sofrimento, colocando-nos a seu lado e fazendo-nos presentes para quando o outro precisar, para quando o outro se sentir preparado para receber a nossa ajuda, o nosso consolo. Disse Anatole France: «A compaixão é que nos torna verdadeiramente humanos e impede que nos transformemos em pedra, como os monstros de impiedade das lendas».

A compaixão é, assim, um dos elementos importantes para viver com paixão – paixão pela vida, paixão pelos outros, paixão por nós próprios. E é essa paixão ardente, de um coração radioso, que garante o fôlego que sustenta a alegria de viver, de usufruir quotidianamente daquilo que a vida nos reserva e nos leva a querer, como diz Manuel Alegre: «Contar-te o amor ardente / e as ilhas que só há no verbo amar. / Contar-te longamente longamente».

No entanto, mesmo sabendo que a vida guarda, para nós, momentos menos agradáveis, não aceitamos de bom grado o conselho da poetisa Andreia C. Faria: «Aceitai o suor do tempo. // Que algumas coisas apodreçam. / (…) / E que nem tudo se sustente como a rosa / se sustenta de florir». Importa, pois, que reconheçamos o infortúnio como parte da vida e, mesmo sabendo que o tempo corrói e corrompe, tenhamos a certeza de que a chama acesa da paixão faz com que aceitemos o infortúnio e mantenhamos sempre a alegria de viver.

Há pessoas que vivem num estado de paixão constante, inebriadas pelo lado claro tanto quanto pelo lado obscuro da vida, em permanente romance com o presente, absorvendo tudo o que de bom ou menos bom a vida lhes dá a cada dia. São pessoas luminosas, que reconhecemos à distância, pessoas que inspiram pelo modo desassombrado como vivem. São pessoas que sabem bem o que querem e correm rumo à felicidade.

 

Maria Eugénia Leitão