Faltam crianças. E agora?

Estamos confrontados com uma dramática falta de crianças, especialmente as que não nasceram nos últimos anos. Sociólogos, demógrafos, académicos e políticos de todos os matizes alertam para perdas já irreversíveis e para as consequências dos perigos que se anunciam, mas os avisos caem em saco roto. A proposta de incentivos à natalidade, em boa hora…

Estamos confrontados com uma dramática falta de crianças, especialmente as que não nasceram nos últimos anos. Sociólogos, demógrafos, académicos e políticos de todos os matizes alertam para perdas já irreversíveis e para as consequências dos perigos que se anunciam, mas os avisos caem em saco roto. A proposta de incentivos à natalidade, em boa hora avançada por Rui Rio, e a maior abertura à imigração, preconizada por António Costa, espelham diferentes abordagens que, todavia, não esgotam o leque das terapêuticas. 

A questão não está em privilegiar esta ou aquela opção, mas em conciliar todos os contributos que possam conduzir a uma solução que produza resultados, à semelhança do que aconteceu em países que já passaram pelo mesmo. Uma coisa é certa: ninguém vai ter filhos para corrigir a demografia. 

A minha fonte de ciência para opinar na matéria resume-se à observação do que se passa no círculo dos mais próximos, onde abundam os jovens desempregados, ou com empregos tão precários que cortam cerce a veleidade de um projeto de vida que inclua casa e filhos. 

Longe vão os tempos da geração yuppie, tão obcecada pelo dinheiro que não teve tempo para pensar em filhos. Foi o tempo dos casais DINK – double income, no kids – mas a sigla mudou para NINJ – no income, no job, assim que se revelou a dimensão da tragédia dos licenciados sem emprego. 

Infelizmente, o assunto não mereceu a prioridade dos governantes e continua ausente das agendas das cimeiras mundiais. Para a União Europeia, por exemplo, foi mais urgente regular o calibre das maçãs…

Que as leis do trabalho carecem de ser ajustadas às necessidades da sociedade actual é uma evidência que salta aos olhos. Só governantes medíocres e parceiros sociais com reserva mental continuam a sustentar negociações para cumprir agenda, com duas consequências desgraçadas: o alastramento da precariedade e ordenados que não descolam do salário mínimo nacional. A situação convém à maioria dos patrões, que querem pagar o menos possível, e aos sindicatos, a quem interessa perpetuar o capital de queixa.   

O salário mínimo tem estado 10 a 20% abaixo da paridade da verba fixada na lei de 1974 e, para agravar as coisas, as empresas fazem uso abundante da extinção dos postos de chefia – os tais dos ‘ordenados milionários’… – compensando as saídas com a admissão de contratados a prazo fornecidos por organizações que vivem de uma espécie de nova escravatura. Mas disso não curam os parceiros sociais… e os governos ainda menos! 

Há vinte anos, ninguém estranharia que um jovem licenciado tivesse um primeiro ordenado duplo ou triplo da remuneração mais baixa da empresa, passasse ao quadro após o período experimental de seis meses, e multiplicasse por três o primeiro ordenado ao fim de cinco anos trabalho. Onde isso vai…

Tragam-me um casal que declare a intenção de ter filhos sem rendimentos seguros para os criar, e eu perguntarei: têm pais ricos ou são irresponsáveis? A pergunta dói, mas não pode deixar de ser feita.