A muleta de Costa

Esse amparo rapidamente surgiu de onde menos se esperava, porque vindo de alguém conotado com a direita, ou seja, de Belém!

Depois de derrotado nas urnas, e fazendo tábua rasa da vontade popular, Costa aliou-se à extrema-esquerda com dois objectivos bem definidos: o primeiro, tomar de assalto o poder executivo; o segundo, e depois de concretizado o passo inicial, o de governar com o principal propósito de garantir a vitória no acto eleitoral seguinte.

E é exactamente isso que ele tem feito nos últimos três anos, recorrendo a medidas supostamente populares, muitas a isso obrigado fruto dos seus compromissos com os parceiros que o sustentam, borrifando-se para o destino do País e preocupando-se somente com o seu.

Como seria de esperar Costa não tem tido a vida facilitada por parte da ala partidária à sua direita, a qual, embora normalmente com pouca eficiência, o vai confrontando para o desastre económico e financeiro a que a sua desastrada governação nos conduz.

À sua esquerda também tem sido sistematicamente fustigado com ataques quase diários, mas, como é óbvio, não direccionados para o seu derrube, razão pela qual se tornava indispensável um apoio respeitado e suficientemente precioso que, de alguma maneira, pudesse legitimar e credibilizar junto da maioria dos portugueses a sua intervenção política.

Esse amparo rapidamente surgiu de onde menos se esperava, porque vindo de alguém conotado com a direita, ou seja, de Belém!

Marcelo goza, ainda, de uma popularidade rara nesta partidocracia em que mergulhámos.

Este fenómeno compreende-se tendo em conta as características daqueles que decidem, através do seu voto, quem nos governa.

Trata-se de um povinho que não perde o seu tempo a ver séries de qualidade superior, em particular as que nos ensinam o nosso passado, preferindo antes devorar telenovelas, umas atrás das outras.

Um povinho que se está nas tintas para programas culturais, mas que não perde uma pitada das intrigas que se vivem nas casas dos segredos que proliferam como cogumelos nas várias televisões que nos estupidificam.

Um povinho cuja conversa de café mais erudita gira à volta do futebol ou das suspeitosas desavenças que chegam a transformar os vizinhos em inimigos implacáveis.

Não é de estranhar, pois, que este povinho se tenha perdido de amores por um presidente beijoqueiro, que abraça efusivamente quem se lhe atravessa, como se de um familiar muito próximo se tratasse, e se deixa fotografar com qualquer gato pingado.

Este comovido amor leva a que o povinho acredite piamente em Marcelo, oferecendo-lhe todo o crédito sempre que ele intervém a favor das maroscas a que a geringonça já nos habituou.

Se Marcelo vem a público garantir que vivemos no país das mil maravilhas, mesmo que essa romanceada visão seja abertamente contrariada pelos estudos independentes e sérios dos mais reputados economistas da nossa praça, o povinho acredita cegamente que vamos no bom caminho.

Se Marcelo elogia até à exaustão a governação de Costa, apregoando que é imperioso que esta legislatura chegue ao fim e sem sobressaltos, mesmo que todas as trapalhadas dos vários ministérios, e que se sucedem a um ritmo alucinante, sejam postas a nu, o povinho acredita na competência, seriedade e honestidade moral e política de quem tem em mãos o destino de Portugal.

Por isso, graças sobretudo a Marcelo, que se tem afirmado como a muleta de Costa, amparando-lhe todos os golpes, o chefe do governo caminha triunfalmente para uma decisiva e fácil vitória eleitoral, mantendo-se apenas em suspense o score que o povinho, generosamente, lhe irá atribuir.

Marcelo esquece-se amiúde de que o papel presidencial, à luz da nossa constituição, é fundamentalmente moderador, ou seja, deve posicionar-se no xadrez político como um árbitro se movimenta num campo de futebol.

Ao intervir a torto e a direito em socorro do inquilino de S. Bento e manifestando uma descarada distância aos que disputam o lugar ocupado por este, Marcelo assemelha-se àquele juiz de partida que sistematicamente marca falta sempre contra a mesma equipa, perdoando as entradas duras dos jogadores adversários.

Por isso Marcelo viciou o jogo político e ofereceu de bandeja aos socialistas o mais que provável êxito nas legislativas do próximo ano.

Amanhã, se Portugal voltar a ficar refém de um resgate financeiro, desgraça a que Costa, fiel discípulo de Sócrates, de quem foi número dois, nos parece querer destinar, não será apenas o chefe do governo a sentar-se no banco dos réus, mas também Marcelo estará sentado ao seu lado, pelo crime de cumplicidade em governação danosa!

Mas se até aqui tínhamos um presidente a secundar o governo apenas na sua acção executiva, desde a semana passada que Marcelo deixou cair, por completo, a máscara com a qual enganava muitos dos que ainda genuinamente nele acreditavam, ao alinhar desavergonhadamente com a oligarquia que pretende controlar a justiça.

Marcelo cedeu, sem pestanejar, às investidas maçónicas e socialistas que se batiam pelo afastamento da Procuradora-Geral da República, correndo com o único titular daquele órgão de soberania que em quatro décadas de partidocracia não se vergou perante os poderosos, indiferente às suas filiações partidárias, às seitas em que se movem ou ao montante depositado nas suas contas bancárias.

Joana Marques Vidal ficou com o destino marcado quando há uns meses a senhora que desempenha o cargo de ministra da justiça, denotando uma grosseira ignorância pelos preceitos constitucionais, veio berrar não ser possível reconduzir a procuradora-geral porque a Constituição impõe um mandato único.

Uma vez denunciado o logro em que nos quis induzir, logo o seu chefe mudou o discurso, justificando-se que a intenção governamental é a de privilegiar um longo e único mandato para que assim se possa reforçar a autonomia do Ministério Público.

Somos obrigados a reconhecer que a inteligência de Costa está num patamar muito acima da generalidade dos seus concidadãos, porque somente ele consegue descortinar a relação entre a autonomia daquele órgão e o número de mandatos de quem o dirige!

Ou, de facto, estamos perante uma mente brilhante, ou então somos todos parvos!

Marcelo logo veio em defesa do seu protegido, argumentando que a decisão de não reconduzir a procuradora-geral teve como base a circunstância de defender a limitação de mandatos em homenagem à vitalidade da democracia! Custa a acreditar mas é verdade, foi mesmo este o argumento invocado pelo frenético presidente!

Pena que Marcelo, que todos os dias nos entra pela casa adentro a falar de tudo e de nada, não nos tenha partilhado esta sua douta opinião há mais tempo, considerando que, segundo as suas palavras, assim pensa há já 20 anos. Ter-se-ia evitado este folhetim do reconduz não reconduz, poupando-se também Joana Marques Vidal a uma exposição desnecessária que muito fragilizou os últimos meses do seu trabalho.

No entanto Marcelo e Costa têm uma meia razão nesta questão: o mandato do procurador-geral deve ser longo e único. Mas apenas quando o magistrado em causa, ao invés de investigar e levar perante a justiça os políticos corruptos, os deixa à solta e impede, por todos os meios, que estes sejam investigados, como o fez a anterior criatura que não permitiu que se averiguasse as trafulhices de Sócrates e de muitos outros.

Ao contrário, quando o titular do cargo, como o fez a procuradora-geral que agora é forçada a abandonar o lugar, desempenha com eficiência e coragem as funções a que jurou dedicar-se por completo, nesse caso não há uma única razão que justifique a sua não recondução.

A bem da vitalidade da democracia e da autonomia do Ministério Público!

Marcelo acusou o seu antecessor de falta de sentido de Estado por este ter criticado a decisão de se mandar para casa Joana Marques Vidal.

Estamos habituados a que ele aponte aos outros os defeitos de que ele próprio é portador, sim, porque Cavaco limitou-se a descrever uma evidência.

Quem provou falta de sentido de Estado, ao não reconduzir a Procuradora-Geral da República, foi Marcelo!