Orçamento 2019 está a ser pensado para as eleições

Aumento da despesa, subida dos impostos indiretos em detrimento dos diretos e, com isso, disfarçar a austeridade, vai ser a fórmula encontrada pelo Governo para o próximo OE.

A opinião é unânime junto dos economistas ouvidos pelo SOL: a tentação do próximo Orçamento do Estado ser «muito eleitoralista» é grande. E a explicação é simples: será o último desta legislatura e o Governo não pode descartar a proximidade das eleições e, com isso, correr o risco de perder votos. Ainda assim, admitem que a preocupação em reduzir o défice não irá ficar esquecida. 

Os aumentos da Função Pública também preocupam os economistas, apontando não só para os  riscos do aumento da despesa, como consideram que contribui para agravar ainda mais a clivagem entre setor público e privado. 

Empresas esquecidas

A falta de aposta no investimento e as poucas ou nenhumas medidas que serão dirigidas às empresas também preocupam os economistas ouvidos pelo SOL. Aliás, essa também foi uma das preocupações da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) e que a levou a apresentar 50 medidas dirigidas exclusivamente às empresas. De acordo com a entidade liderada por António Saraiva, entre as propostas estão algumas das «principais medidas que propusemos em 2017 e que não obtiveram acolhimento por parte do Governo», mas existem, também, «novas propostas que visam apoiar as empresas que contribuam para as várias vertentes da estratégia que defendemos para a economia portuguesa». 

Tratam-se, segundo a CIP, de medidas que querem «discriminar positivamente as empresas com maior investimento e que apostem na inovação, na capitalização e na qualificação dos seus recursos humanos». 

Para assegurar a previsibilidade do sistema fiscal, a entidade quer garantir que a tributação que incide direta ou indiretamente sobre as empresas «não é agravada e que não serão criados novos impostos que afetem as empresas».

César das Neves ‘OE será  eleitoralista’

O economista acredita que o Governo vai subir mais a despesa e o défice, mas lembra que este será o último da legislatura e ‘não vai agora tomar as medidas que já devia ter tomado’

César das Neves acredita que o próximo Orçamento do Estado vai ser eleitoralista. Para o economista a fórmula vai ser simples: o Executivo vai aumentar o défice e vai gastar mais dinheiro. «Vamos ter duas eleições no próximo ano e não vai ser neste, que é o último da legislatura, que o Governo vai tomar as medidas que já devia ter tomado. Não se pode exigir que faça finalmente o que tem de fazer», referiu ao SOL. 

Também natural será, no entender do economista, a tendência do Executivo em continuar a apostar no aumento dos impostos indiretos, tal como tem feito nos anos anteriores. «Toda a redução do défice foi conseguida com a subida de impostos, sobretudo indiretos, porque os diretos até baixaram porque foi uma promessa que António Costa fez». Uma decisão que não agrada a César das Neves, uma vez que, no seu entender, vai sobrecarregar quem tem menos condições financeiras. «O problema é que os impostos indiretos são os impostos que os pobres pagam porque os diretos são calibrados ao nível de rendimento. Os pobres por serem pobres não têm grandes poupanças, mas consomem», acrescentando que «esta solução não é de Esquerda e é contra a justiça social porque são os impostos que pagamos sem darmos por isso».

Ainda assim, admite este tipo de medidas  – aumentar os impostos indiretos em detrimento dos diretos – do ponto de vista político é mais agradável. «Parece que não estamos a pagar impostos», salienta. Mas garante que não compreende o apoio dos partidos de esquerda em relação a estes decisões do Governo. «Estão disponíveis a penalizar os pobres com impostos para poderem servir o aparelho estatal que é de facto a sua finalidada», diz. 

Eugénio Rosa ‘Agradar a Bruxelas’

O economista defende que o desejável é conseguir aumentar os rendimentos e o investimento. Mas lembra que o país não comporta grandes devaneios na despesa.

Para Eugénio Rosa, o que os portugueses podem esperar por parte do Governo é «o desejo de ter um défice zero com objetivo de agradar a Bruxelas e assim o ministro Centeno aumentar o seu curriculum na União Europeia com reflexos naturalmente na sua carreira internacional futura». No entanto, o economista também admite que o objetivo não vai ser inteiramente alcançado porque «o Governo vai ser obrigado pelos partidos de esquerda a aceitar um orçamento» que contemple o «aumento de rendimentos e que satisfaça a necessidade de investimento do país». O economista vai mais longe e garante que, apesar de não descartar a aposta nos impostos indiretos como medida, deve ser defendida «a criação de um imposto sobre os lucros excessivos  das empresas que não investem nem criam riqueza emprego em Portugal, como acontece com as grandes empresas da energia e outras, muitas delas controladas por grupos estrangeiros (EDP, GALP, REN , Jerónimo Martins, etc) que transferem para o estrangeiro os lucros que obtêm sem pagar  imposto sobre os dividendos, comportando-se como autênticas empresas predadoras». Até porque, defende, «neste momento, a nível de IRC não há qualquer diferença, e as empresas a que chamo predadoras são altamente beneficiadas em prejuízo do desenvolvimento do país». 

Ainda que assuma que o desejável é ter um OE que contemple a «recuperação dos rendimentos e o aumento do investimento público para recuperar as infraestruturas profundamente degradadas», Eugénio Rosa acredita que este OE vai ter em conta objetivos eleitoralistas, ainda que não em demasia, porque «o país não comporta grandes aumentos e devaneios ao nível da despesa». 

João Duque  ‘O investimento é essencial’ 

O economista não acredita em ‘grandes surpresas’ no OE e entende que será um documento para as eleições. As empresas ficam esquecidas porque não votam.

«Acho que não vai haver surpresas. Vai ser um orçamento para as eleições. Vai continuar a aposta no aumento dos impostos indiretos. O Governo quer dar rendimento para a mão das pessoas e depois arranjar mil e uma maneiras para tirar». A afirmação é dada ao SOL por João Duque quando questionado sobre as medidas que poderão ser apresentadas no próximo Orçamento do Estado. 

Para o economista, a melhor solução passaria por uma maior aposta no investimento. «Devia-se pensar seriamente no futuro. E o futuro não passa por dar mais dinheiro para as pensões, não serve de nada a um velho que gasta imenso dinheiro em medicamentos receber mais 10 euros por mês, porque quando vai ao médico lá se vai o aumento», refere.
De acordo com o responsável, o envelhecimento da população devia ser acautelado com medidas que não estão atualmente em cima da mesa, como o aumento da poupança e de medidas de proteção de saúde.

Já em relação às medidas para as empresas, o economista não vê qualquer novidade. «Medidas para as empresas? Esqueça. As empresas não votam. Se as empresas é que tivessem voto e as pessoas não, o Governo já estava a baixar os impostos todos ao tecido empresarial. Mas isso é o que faz este Governo e fazem todos os outros: tentam fazer aquilo que cativa as pessoas».

João Duque critica ainda o possível aumento do salário dos funcionários públicos mas entende essa decisão como uma escolha política. «É uma pressão dos partidos de esquerda, mas esses partidos não se preocupam com a produtividade, querem aumentos de forma cega», salienta.

Bagão Félix ‘Será próximo do equilíbrio’

O ex-governante acredita que o novo OE vai apostar nos estabilizadores automáticos e fala do aumento da receita, nomeadamente, através de impostos indiretos.

Bagão Félix acredita que o Orçamento do Estado para 2019 será «próximo do equilíbrio. É um OE que vai apostar nos estabilizadores automáticos – por exemplo, no aumento da receita. Ainda que não entenda porque não aproveitam tudo isto para fazerem reformas de fundo». De acordo com o economista, «a tendência é distribuir logo os benefícios das medidas» e ficar sem margem para avançar noutras direções. 

O responsável chama ainda a atenção para o facto de que «é nos impostos indiretos que se vai voltar a fazer a aposta e acresce ainda o que pode acontecer em relação aos impostos sobre os imóveis». No entanto, de acordo com Bagão Félix, importa não esquecer que «o nosso sistema já tem taxas muito elevadas para as mais-valias muito elevadas. Além disso, o sistema permite amortecer no caso dos imóveis comprados há mais tempo. Acredito que a especulação não deve ser combatida no regime fiscal, é na oferta e na procura. A mais-valia não é nenhum crime e resolve-se o problema na oferta e na procura».

O economista também defende que é impossível fugir à tentação de apostar num desenho mais virado para o eleitorado. «Se não estou enganado, haverá a segunda parcela das retificações que foram feitas no IRS. Ora, isso significa um maior volume de reembolsos no verão do próximo ano e haverá menor retenção. Também aqui, temos mesmo um dois em um. Porque as eleições são logo a seguir». Bagão Félix sublinha ainda que é preciso não esquecer que «não está garantido que a despesa pública esteja reduzida estruturalmente. Está reprimida. É como uma panela de pressão. Um dia rebenta em todo o seu esplendor».

Mira Amaral ‘Objetivo é reduzir défice’

O economista defende que há pontos certos: o défice continua a merecer o foco principal. Já os passes sociais e as verbas para a Cultura são medidas eleitoralistas.

A poucos dias de se ficar a conhecer o Orçamento do Estado para 2019, Luís Mira Amaral garante que os portugueses podem esperar que o Executivo «continue a ter como grande objetivo reduzir o défice. Ainda que isto esteja a ser feito de forma superficial, é o grande objetivo deste Governo». 

Para o economista, por ser ano de eleições, «vai ainda haver transformações na Função Pública. Querem mostrar o défice e dar um toque de satisfação aos funcionários públicos. Só não sei é o que vai ser feito em relação aos professores». 

Mira Amaral, antigo ministro da Indústria e Energia, refere ainda que há medidas que fazem sentido, mas outras nem tanto. «Não sei se vai mexer no IVA da energia, mas concordo com o primeiro-ministro», que descartou a descida deste imposto na eletricidade porque, segundo Costa, teria um custo incomportável para o Estado: 500 milhões de euros. No entanto, ficou a promessa de baixar a fatura energética das famílias, mas por outra via: «Se reduzirmos o défice tarifário, vamos reduzir o seu impacto na fatura que pagamos».

Convencido de que continuará a haver uma aposta no peso dos impostos indiretos, Luís Mira Amaral acredita ainda que «esta é, aliás, a forma de conseguir mexer no défice como têm feito». 

Além disso, é de esperar que, em ano de eleições, todos os esforços sejam feitos no sentido de ganhar votos. «Claro que há medidas que são claramente campanha. É o caso das verbas para a Cultura. Acham que vende. Se fosse num outro ano, não acontecia. Os passes sociais são outra medida eleitoralista. Claro que é uma medida com sentido, mas não deixa de ser eleitoralista. No fundo, é um dois em um», explica.