Um ministro que não sabe de nada

Será que algum dia vamos descobrir a verdade? Qual era o destino das armas? Era para brincar à batalha naval?

A história do assalto aos paióis de Tancos ultrapassa, e muito, o aceitável. E é curioso que numa altura que tanto se fala em violação do segredo de Justiça, tantos tenham dito que sabiam mais do que o podiam dizer. Para começar, o Presidente da República que esperava para breve novidades do caso, isto há semanas; depois, o líder do PSD também ousou dizer que tinha informações que não podia revelar; já para não recordar o que afirmou o ministro da Defesa em outubro do ano passado, em que admitia que até podia não ter havido nenhum assalto. Quanto ao famoso segredo de Justiça, estamos conversados. No que aos jornalistas diz respeito, é óbvio que se não existissem fugas os processos poderiam ser arquivados ao sabor das conveniências, como se tentou fazer com a operação Face Oculta.

Mas voltemos a Tancos. Como é possível Azeredo Lopes continuar em exercício? O assalto terá ocorrido a 28 de junho de 2017 e três meses depois voltou a aparecer e de lá para cá tem sido uma verdadeira telenovela. Neste tempo todo tem sido confrangedor ouvir o ministro da tutela. Faz pena, é um facto. E o que dizer da origem do assalto? Qual foi o objetivo que levou um grupo de civis, em que há pelo menos um ex-militar, com a conivência de tropas no ativo, a roubar material que dava para deitar abaixo aviões e a guardá-lo durante tanto tempo, até alguém se arrepender? Qual a razão do assalto que podia ter posto a segurança nacional em causa? Quereriam o material para brincar aos jogos de guerra? Se fosse para vender a terroristas, porque não o fizeram? E como é possível ainda não se saber com rigor que armamento foi roubado e a diferença com o que foi devolvido?

Será que nos nossos quartéis ninguém sabe o material existente? Não estamos a falar de legumes, carne, peixe ou água que entra no reino militar. Estamos a falar de material bélico, algum do qual, de última geração.

Quando alguém conseguir explicar o que levou esses homens a roubar aquele material talvez se saiba porque o fizeram. Até lá andamos distraídos com as guerras entre a Polícia Judiciária e a sua homóloga militar, com um ministro que admitia que podia não ter havido nenhum assalto, até à revelação de um dos detidos da Polícia Judiciária Militar que afirmou que o ministro sabia de tudo há muito tempo. E o advogado do antigo porta-voz da Polícia Judiciária Militar já admitiu revelar o testemunho do seu cliente ao Ministério Público que se prolongou para lá das oito horas. Inquérito onde Vasco Brazão revelou que o então chefe de gabinete do ministro da Defesa recebeu um memorando em que a operação de recuperação das armas era descrita, tendo o ministro sido informado por telefone da chegada do documento. E o ministro não terá informado o primeiro-ministro? E quem deu informações a Marcelo e a Rui Rio que lhes permitiu dizer que brevemente haveria novidades?

Isto é de um país normal? Não me parece, e começo a ter sérias dúvidas de que algum dia tenhamos acesso à verdade. Em tempos tive um chefe que me dizia: «Escreve para militares entenderem», isto sem qualquer carga pejorativa, até pelo respeito que tenho à instituição. Mas, convenhamos, nem militares nem ninguém consegue perceber esta trapalhada toda. Ou talvez Azeredo Lopes o consiga…

vitor.rainho@sol.pt