“O arrendamento não é para jovens universitários”

Há algum tempo, numa discussão com alguns juristas sobre a temática do arrendamento, saiu a seguinte conclusão:  “O arrendamento não é um tema sexy”.

Texto: Emanuel Seixas de Almeida e Sousa
Vogal da Habitação e Mobilidade da Juventude Popular de Lisboa  

Hoje em dia, com as notícias que saem nos jornais e na Internet, digo que há centenas de milhares de jovens universitários a pretender falar com esses juristas. O assunto não é sexy, seguramente. Mas, o arrendamento de quartos, aos preços a que anda, é mais do que isso. É digno de guião de livro ou filme pornográfico.

Os jovens universitários sempre foram uma franja da população na qual os senhorios viam uma boa fonte de rendimento, pois permitiam compensar décadas de rendas antigas congeladas. Esse mercado estava liberalizado, sem regras, indo ao sabor do que a procura estava disposta a pagar, consoante as zonas em que havia oferta.

O funcionamento desse mercado andava no limiar da legalidade, apenas com alguns senhorios a declarar os valores às Finanças, pagando 28% de taxa liberatória. 

Os inquilinos universitários aceitavam viver nessas condições, muitas vezes sem recibo, por acção da sua parca economia mensal, para diminuir os encargos de estarem deslocados na grande cidade.

Durante largos anos, pegando no exemplo de Lisboa, os estudantes sempre procuraram zonas chave, ditas “nobres”, como Alvalade, Alameda, Av. Forças Armadas e Arroios, pela grande proximidade às maiores unversidades: Cidade Universitária e  Instituto Superior Técnico.

Com o aumento repentino do valor dos imóveis, o efeito também se fez sentir no mercado de arrendamento, fosse ele para um andar completo, ou para quartos. O aumento foi gradual nos primeiros anos do NRAU/ “Lei Cristas”, tendo-se acentuado nos últimos 2 anos.

O leitor deve estar-se a interrogar a razão pela qual nos últimos tempos o aumento foi mais repentino. Passo a explicar: durante anos a fio, muitos universitários, para poupar dinheiro nos meses de Verão, libertavam os quartos onde estavam, na esperança de regressar em Setembro, com a mesma renda. 

Com os aumentos no mercado de arrendamento tradicional, muitos senhorios fizeram cumprir a penalização nas novas entradas de universitários. Falando em valores académicos: quem pagava 250 euros em Maio do ano X, passou a pagar 300 euros no mês de Setembro desse mesmo ano. Justo? Na óptica do inquilino não o será, mas foi a aplicação da lei da compensação, na óptica do senhorio, por só arrendar quarto durante 9 meses.

Entretanto, com o aumento da procura também por parte dos Erasmus e pelo advento do AirBnB, as zonas ditas nobres aumentaram ainda mais os seus valores médios, por quarto, para valores entre os 350 e 400 euros mensais.

O mercado passou a funcionar em regime de leilão, fazendo lembrar algumas feiras de Verão, no Norte do país, nas quais se leiloam gado e outros bens. Quem dá mais, ganha! É uma postura especulativa, mas pegando na Lei da Oferta e Procura, os inquilinos continuaram a ir atrás dos aumentos e a dar mais dinheiro só para ficar com o quarto na sua zona preferida (Alvalade, Alameda). Basta ver, por notícia do passado dia 11 de Setembro de 2018, que há quartos arrendados a 650 euros na Alameda e Alvalade, em menos de 24 horas. Curioso, não é? Quase em níveis de preço de Amesterdão e Barcelona, quem diria…

Pior ainda, se formos tomar em linha de conta que o salário médio de um recém- licenciado, citando o estudo Total Compensation Portugal 2017, é pouco mais de 850 euros líquidos. Verificamos que a taxa de esforço desse jovem universitário trabalhador-estudante esteja nos 70%, para os quartos na Alameda e Alvalade.

Como contrapeso, em Fevereiro, o Banco de Portugal limitou as famílias a taxas de esforço de 50%, para motivos de crédito. Portanto, num jovem universitário, com taxas de esforço de 70%, estaria em incumprimento para o regulador. É impossível ser independente e ter uma vida digna, com pouco mais de 200 euros líquidos para alimentação e transportes. Cria uma dependência enorme da economia familiar dos pais, que se vêem obrigados a comparticipar, independentemente da sua condição social.

Em comparação, em Barcelona, onde os preços de estúdios são iguais aos quartos anteriormente citados, temos um salário médio de 1230 euros para recém-licenciados. Infelizmente, isto faz pensar e relembrar as sugestões de emigração dadas pelo ex-Primeiro Ministro Passos Coelho e, mais recentemente, por António Costa. Atravessamos a fronteira e ficamos com mais dinheiro no bolso, para uma casa igual.

Faz-se a pergunta: não teria sido melhor, por uma questão de poupança, ter incentivado mais cedo a procura de novas zonas na cidade, com transportes?

Certamente, mas aí os culpados são também os jovens universitários, que por uma questão de proximidade e procura demasiado focada, deixaram o mercado dos quartos trepar para valores que se pagavam em 2014/2015 por um apartamento T1/T2, em vez de o combater com novo tipo de procura.

Havia o Lumiar, Benfica, Carnide, Ajuda e outras freguesias próximas de universidades e transportes que podiam e deviam ter sido exploradas mais cedo, de modo a equilibrar os preços. Na óptica dos bens de consumo, seriam bens complementares aos das zonas nobres. Que eu saiba, a larga maioria dos estudantes universitários têm acesso a passe para andar nos transportes públicos da cidade. E, para os menores de 23 anos, com descontos de 25%! Portanto, acesso ao transporte não é entrave.

Hoje em dia, com o efeito de contágio dos aumentos, segundo dados dos motores de busca especializados, até nos arredores da capital é complicado arranjar quartos com condições, na franja dos 200-250 euros mensais. 

É hora de dar nova alma a este mercado, guiando-o para a legalidade e para o real valor de equilíbrio. Portanto, os senhores governantes e a oposição deviam estar unidos em preservar o futuro do nosso país, em vez de querer andar a defender clientelas e interesses ideológicos neste assunto.

Vejo o CDS a propor um pacote de medidas, de onde destaco a redução de taxa sobre as rendas, para incentivar os senhorios a declarar as rendas; vejo o PSD a 2 velocidades, com Rui Rio, ao lado do Bloco de Esquerda, a querer taxar a especulação imobiliária e, do outro lado, a JSD Lisboa a querer incentivar a construção de mais residências universitárias; vejo o PCP sempre a guerrear a querer manter os inquilinos nas casas, pela questão da idade (superior a 65 anos). O PS, neste assunto, anda a preparar uma Lei de Bases da Habitação, que ainda está muito na penumbra.

E os jovens universitários? Onde ficam no meio destas ideias/propostas? Para o PCP, já se sabe… jovens não é com eles! Rui Rio e o Bloco de Esquerda não se interessam pelo assunto, dedicando-se apenas a taxar a especulação imobiliária, para compras e vendas rápidas.

A proposta de eficácia mais rápida para os universitários, mas indirecta, é a do CDS, pois faz diminuir, no imediato, o mercado paralelo e ausência de recibos. Um senhorio fica mais tentado a equilibrar o preço, pelo incentivo fiscal. A JSD Lisboa teve uma ideia interessante, ainda para mais sabendo que faltam 10000 camas universitárias em Lisboa (já dizia Fernando Seara na sua campanha em 2013), mas a eficácia é lenta e as rendas continuarão a aumentar até que as residências fiquem prontas. No meio deste processo, perde-se mais de 1 ano em construção e a arranjar locais na cidade e os jovens ficam a ver o dinheiro a diminuir na carteira.

A meu ver, a solução mais imediata passa pela criação de condições para a completa legalização do mercado de arrendamento de quartos a universitários, com taxas mais apleativas que os 28% da taxa liberatória. Não conheço nenhum senhorio que não quisesse declarar rendas com taxas entre os 10% e 15%, com incentivos no final do ano, no seu IRS. Ajuda a economia do país e é um Win-Win para ambas as partes, aliviando a taxa de esforço do jovem. Mais ainda, ouçam a proposta de seguro de renda, que já foi apregoada em tempos pelo PSD e CDS, ajudando os jovens carenciados com o diferencial que falta, do seu real rendimento ao valor do quarto. 

Assim têm tudo para evitar situações futuras de abandono por carência económica, como aconteceu ao jovem colega madeirense que entrou em Engenharia Civil com 18,94 valores, depois de ter frequentado o IST, em Lisboa, após ter estado num quarto a 400 euros mensais.

Quanto aos jovens universitários, não desistam de estudar por causa da renda do quarto!