As licenciaturas de medicina em Portugal

Há quem diga que quem se mete com os médicos ‘leva’. Não sei se é assim. O que sei é que muitos médicos reconhecem a falta de médicos em Portugal, e que a solução passa também por aumentar o número de vagas e o número de faculdades, inclusive privadas

«Precisamos de formar mais médicos. Talvez aqui haja uma oportunidade para o investimento privado. O Estado não tem de ter o monopólio da formação destes profissionais».

Pedro Passos Coelho, Ex-primeiro-ministro, Fevereiro de 2015

 

Para quem tem filhos, netos e ou familiares em idade pré-universitária ou universitária, os meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro são de grande expectativa e angústia, nuns casos, e de desilusão, noutros. Porquanto são os meses em que os projetos educativos de milhares de jovens se vêem interrompidos, alterados ou concretizados. São muitas as famílias que neste período do ano vivem intensamente o acesso à universidade e as opções e expectativas em relação às áreas do saber que os jovens ambicionam como as melhores para as suas vidas.

O frenesim é alucinante. Entrar no ‘curso’ que se quer como primeira opção, na universidade ou politécnico desejado como prioridade, logo na primeira candidatura. Escolher a cidade com as correspondentes despesas, não só de propinas e outros custos universitários associados, mas também de estadia, alimentação e transportes. Em muitos casos, a opção é entre estudar em Portugal ou no estrangeiro. Seja para as licenciaturas clássicas – Medicina, Direito, Engenharia e Economia – como para as licenciaturas ‘novas’ e ‘modernas’ – Design, Engenharia do Mar, etc.

Nestes meses vivi um pouco de tudo isto. Não só por o mais velho dos meus três filhos com idade pré-universitária já começar a fazer escolhas e a pensar no que vai desejar fazer daqui a um ano. Mas também pelos meus sobrinhos, que para o próximo ano vão ter de fazer as suas escolhas.

O que mais me despertou a atenção, porém, foram (mais uma vez) vários casos de jovens que querem estudar Medicina em Portugal – ou, em última instância, fora de Portugal. Alguns deles dramáticos. Como o da filha de um amigo, aluna de Medicina dentária, que se preparou nestes meses para concorrer para entrar em Medicina em Espanha.

É por isso que faz sentido levar a cabo, sem corporativismos exacerbados e sem demagogias, uma reflexão realista sobre as licenciaturas de Medicina em Portugal. Quer acerca da necessidade de termos ou não mais médicos, quer de haver ou não mais vagas. Se deveremos ter mais faculdades de Medicina, públicas ou privadas. Comparando com realidades semelhantes à nossa, fora de portas.

É que existem muitas contradições, que não podem deixar de ser esclarecidas desapaixonadamente. Por exemplo: por que temos milhares de médicos estrangeiros a exercer em Portugal e quase dois milhares de portugueses a estudar Medicina fora de Portugal por não terem condições para o fazer no seu país? Alguns números disponíveis atestam-nos que, nos últimos quase dez anos, formaram-se quase mil novos médicos de nacionalidade portuguesa no estrangeiro. Em particular, em Espanha e na República Checa. Sabemos até que a crise de 2012 e anos seguintes fez com que centenas de médicos portugueses tivessem emigrado para destinos tão díspares como a Austrália, Emirados Árabes Unidos, Canadá e vários países da Europa. É certo que vários fizeram-no porque, sobretudo em comparação com vários países da Europa, ganham menos em Portugal.

Mas o que sente o cidadão comum quando vai aos centros de saúde ou aos hospitais? Médicos suficientes? Consultas na hora? Médicos a mais? Ou o contrário, com médicos a menos e semanas, dias e horas de espera? E, já agora, o interior do país tem médicos e especialistas a tempo e horas de cuidarem das suas vidas ou não? E os incentivos para a deslocalização de médicos para o interior serão os suficientes?

Tudo isto deve fazer-nos refletir sobre a possível inversão da atual política pública na área do ensino superior para esta área de formação tão estruturante para a saúde no nosso país.

Há quem diga que quem se mete com os médicos ‘leva’. Não sei se é assim. O que sei é que muitos médicos reconhecem a falta de médicos em Portugal, e que a solução passa também por aumentar o número de vagas e o número de faculdades, inclusive privadas. Só a Espanha tem 14 faculdades privadas – e, que se saiba, os espanhóis não estão pior de saúde por isso. Antes pelo contrário.

Que se definam regras, como noutros países, para que a segurança na formação médica universitária tenha uma forte credibilidade. Porque não é só no privado que poderão existir problemas. Por exemplo, em 2012, o curso de Medicina da Universidade de Aveiro com a Universidade do Porto foi encerrado, por não preencher à época os requisitos exigidos.

 

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