Tancos: a verdade é outra

Rovisco Duarte, Azeredo e Costa: o primeiro não sabia de nada. E os outros dois?

Desculpem-me os jornalistas que se têm ocupado de Tancos, mas a maior parte do que escreveram não faz qualquer sentido.
Não por culpa própria, em muitos casos, mas por culpa de quem lhes passou as informações.
Além disso, reina uma enorme confusão.
Vejo programas de TV que prometem explicar tudo o que se passou, ao pormenor, e chego ao fim mais baralhado do que estava no início.
A única pessoa que disse uma coisa certa, no meio desta trapalhada, foi o general Rovisco Duarte, chefe do Estado-Maior do Exército, quando desabafou no Parlamento: «Não sei o que estou aqui a fazer…». 

Paremos um pouco para pensar.  Em primeiro lugar, não é verosímil que o roubo tenha sido feito de uma só vez.
Ninguém tinha o descaramento de encostar um camião à vedação de uma base militar, pondo-se a carregá-lo com caixas roubadas no paiol.
Também não é crível que, em vez de um camião, se usasse uma frota de carros para transportar as caixas – seguindo depois em cortejo para um esconderijo.
E a ideia de que terá sido um único carro a andar para trás e para diante numa noite, como também foi escrito, é igualmente inimaginável: essas movimentações dariam imenso nas vistas.
Ninguém planeia um roubo assim.
Para mim, é portanto evidente que o roubo foi feito ao longo do tempo, hoje uma caixa, amanhã outra, numa cumplicidade entre militares da base e pessoas de fora.
Um roubo a conta-gotas não só seria muito mais fácil de executar como seria menos detetável no interior do paiol. 
A ausência de uma grande quantidade de material de um dia para o outro daria muito mais nas vistas.

O mais plausível é que este material tenha sido imediatamente escoado, eventualmente para organizações políticas de caráter terrorista – no interior do país ou no estrangeiro.
Não faz também sentido nenhum que o material, depois de roubado, ficasse todo juntinho no mesmo sítio, dentro das caixas, durante meses.
Quem faz um roubo de armas já tem destinatário para elas – não as vai guardar numa barraca à espera que apareça um cliente. 
E isto conduz-nos a outra conclusão: o material recuperado não é com certeza o mesmo que foi roubado.
Aliás, há um raciocínio óbvio que estranhamente ninguém fez.
Quando o material foi devolvido, estava uma caixa de munições a mais; ora, essa caixa veio de onde?
Talvez de um paiol.
E por que razão as outras não terão vindo exatamente do mesmo sítio?
Se veio essa, o mais natural é que tenham vindo todas.
É o que faz sentido.
Passemos ao terceiro ponto: como explicar a devolução do material?
Esta é, talvez, a questão menos difícil de entender.
Recorde-se que Marcelo Rebelo de Sousa, na sua função de comandante supremo das Forças Armadas, nunca deixou cair o assunto, insistindo constantemente na necessidade de descobrir o que se passou e recuperar o armamento roubado.
Assim, é natural que apertasse com António Costa para este apertar com o ministro da Defesa, que por sua vez apertaria com o diretor da Polícia Judiciária Militar para esclarecer o caso.
Quantas vezes Azeredo Lopes não terá dito ao diretor da PJM: «Chiça! Descubra-me de uma vez por todas o que se passou!».
Ora o homem, não sendo capaz de dar resposta ao ministro, acabou por ir buscar o material a outro sítio e simular a recuperação, para encerrar o assunto.

Coloquemos a questão ao contrário: a quem interessou a recuperação do material roubado?
Em primeiro lugar, ao diretor da PJM – para não ser mais interpelado pelo ministro da Defesa.
Em segundo lugar, ao ministro da Defesa – para não ser mais pressionado pelo primeiro-ministro.
Em terceiro lugar, ao primeiro-ministro – para não ter de continuar a ouvir o Presidente da República.
Foram estes os três beneficiários da devolução do armamento.
Agora, se o diretor da PJM disse ao ministro como ‘recuperou’ o material (e onde o foi buscar), ainda não se sabe.
E se o (agora ex) ministro disse ao primeiro-ministro, também não se sabe.

Juntando agora tudo, não é difícil encaixar as peças do puzzle.
O roubo foi sendo feito aos poucos, ao longo do tempo, caixa a caixa, para não se dar logo pela falta do material no paiol e para o transporte ser mais fácil.
As autoridades perderam o rasto a esse material, que foi vendido e eventualmente saiu do país. 
Perante a pressão política, os militares (com o conhecimento ou não dos políticos) foram buscar material igual ao supostamente roubado a outro sítio – é preciso investigar qual – e simularam uma devolução; mas traíram-se, pois puseram uma caixa a mais.

A única dúvida reside no nível em que este segredo ficou.
Ficou no diretor da Polícia Judiciária Militar? 
Chegou ao ministro da Defesa? 
Chegou ao primeiro-ministro? 
O que se pode dizer é que o aparecimento do material interessou sobretudo aos três.
A história assim contada faz sentido.
O que tem sido dito e escrito, regra geral, não faz sentido nenhum.