Por que não se calam?

Como benfiquista, tive vergonha do que se passou no último domingo no Estádio da Luz, após o Benfica-FC Porto 

Em vésperas da apresentação do OGE 2019, somos todos bombardeados com os méritos do Governo em apresentar um défice de 0,2% e com as reivindicações sindicais coordenadas por um dos seus parceiros que reclama direitos prometidos e jamais cumpridos. Pelo meio, surgem uns dados económicos promissores, como sejam um crescimento do PIB à volta de 2,2% e uma taxa de desemprego a rondar os 6%.

Deveríamos estar felizes com estes números, não se desse a realidade de, em ano de eleições, muitas das folgas orçamentais geradas por este nível absurdo de fiscalidade irem ser canalizadas para despesas de curto prazo, imediatistas mas estruturais, ou seja, recuperação de direitos (salariais e outros) dos funcionários públicos e dos reformados, discutindo-se ainda alguns detalhes de como as distribuir. 

Também o IRS e a fatura da eletricidade prometem baixar, faltando conhecer pormenores. Aliás, na minha opinião, a ‘cereja em cima do bolo’ deste eleitoralismo foi a promessa da redução dos preços dos passes sociais, pelo menos em Lisboa e Porto, cujos custos se preveem em largas dezenas de milhões para o erário público. A confirmarem-se estas notícias, estaremos na presença de uma verdadeira caça ao voto – em detrimento de se privilegiar o investimento público, ou seja, pensar a prazo para beneficiar a população em geral, como seja investir nas infraestruturas e serviços hospitalares ou de transporte público.

As queixas nestes setores sucedem-se. Nos hospitais há ameaças de greve por falta de condições, entre equipamentos e pessoal, para servir os utentes. Nos transportes a degradação salta à vista desarmada, sobretudo nos comboios ou no Metro de Lisboa, pese embora recentes promessas de aquisição de 22 novas composições para 2022. 

Mas como esses investimentos públicos só se repercutem a prazo, a confirmação no OGE 2019 desta canalização das verbas geradas pelo excelente crescimento da economia – e, consequentemente, provenientes da fiscalidade, que atinge picos dos mais altos de que há memória – terá obviamente um único fito: privilegiar o curto prazo, visando obter a maioria absoluta. 

A criação de despesa estrutural não preocupa, a possibilidade de as taxas de juro subirem no segundo semestre de 2019 ou em 2020 ainda menos. A tática é tratar um problema de cada vez – e nada de antecipar questões incertas.
Esta é a nossa realidade. Em Portugal, como em muitos outros países do mundo, a maior parte dos políticos chega a esta atividade por carreira nas juventudes partidárias. Raros são aqueles que tiveram vida empresarial e, como tal, tiveram de planear a prazo, vendo-se às vezes obrigados a pagar ordenados do próprio bolso, quantas vezes passando noites sem dormir para ‘inventar’ dinheiro para cumprir com os seus empregados. Poucos são aqueles que veem o país para além do mandato para o qual são eleitos – embora sejam estes que deixam obra e ficam na memória das gerações. 

Para a esmagadora maioria dos nossos políticos, o seu mundo é o seu mandato, e a sua prioridade é a sua reeleição!

P. S. 1 – Esses técnicos do FMI que preveem agora que o crescimento da nossa economia em 2019 será de apenas 1,8%, sustentando a previsão com base nos dados da economia mundial e sua evolução, não sabem estar calados? Não sabem que este OGE 2019 se construiu com 2,2% – e, nem que seja por decreto-lei, esse vai ser o nosso crescimento? Se não for, logo se vê… Para quê antecipar um problema do ano que vem?

P. S. 2 – No final do último Benfica-FC Porto, quando a equipa portista ia a sair, os altifalantes do Estádio da Luz começaram a tocar uma música tauromáquica. Eu estava ainda no estádio, naturalmente feliz, a aplaudir a saída da minha equipa que tinha ganho com todo o merecimento. Mas de imediato senti uma profunda revolta. Senti mesmo vergonha! Onde estão os princípios do maior clube português? Como pode ter entre os seus assalariados gente desta laia, pronta a descer tão baixo? Como pode pactuar com isto a direção? Pressurosos, uns quantos serviçais do regime relembraram publicamente que em estádios adversários tinha sucedido o mesmo ou pior, justificando o injustificável, ou seja, nivelando o Benfica por práticas mesquinhas que nunca se cansam de criticar aos outros. Parafraseando o Rei de Espanha, D. Juan Carlos, «por que não se calam»?