Políticos ignoram lesados dos incêndios de outubro

Movimento Associativo das Vítimas dos Incêndios de outubro organizou  encontro para expor situações de lesados que ainda aguardam pelo apoio prometido. Presidente, primeiro-ministro e deputados foram convidados mas não responderam ao repto.

Políticos ignoram lesados dos incêndios de outubro

Há um ano que «centenas de familías estão sem teto, a viver em caravanas, tendas, em casas de amigos ou de familiares ou arrendadas». São as famílias que perderam as suas casas durante os incêndios que a 15 de outubro de 2017 lavraram em mais de 200 mil hectares de 32 concelhos do norte e do centro do país.

Este é o cenário que se vive sobretudo nos 18 concelhos do centro do país e que o presidente do Movimento Associativo de Apoio às Vítimas dos Incêndios de Midões (MAAVIM), Fernando Tavares Pereira, quer mostrar amanhã ao Presidente da República, ao primeiro-ministro ou aos deputados do Parlamento durante um encontro organizado para assinalar a data de um ano sobre os incêndios de 15 de outubro. Em jeito de chamada de atenção para a situação das famílias, a MAAVIM quer reunir os «lesados» dos incêndios de outubro – entre os quais se incluem familiares das 49 vítimas mortais ou dos 70 feridos e as famílias que viram arder as suas casas, as suas empresas ou as suas plantações – com os responsáveis políticos do país. No entanto, atè à hora de fecho desta edição, nenhum destes tinha respondido ao convite.

Questionada pelo SOL, fonte de Belém disse que no âmbito das cerimónias dos incêndios de 15 de outubro, o Presidente da República marcará presença apenas no evento organizado pela autarquia de Oliveira de Hospital, que vai decorrer na próxima segunda-feira. Já o gabinete do primeiro-ministro não respondeu ao SOL a confirmar a presença no encontro promovido pela associação. 

Fernando Tavares Pereira explica ao SOL que o encontro pretende expor as várias situações de pessoas que «estão a atravessar problemas graves de saúde e de habitação, que nada têm e nada receberam, e que a cada dia que passa vêm a sua vida a andar para trás». É o caso dos queimados, por exemplo, que «estão sem apoios para comprar pomadas e medicamentos caríssimos», alerta o presidente da MAAVIM.  

E, perante o silêncio por parte dos políticos, o representante dos lesados não descarta a possibilidade de avançar para os tribunais, com uma ação contra o Estado, «a fim de podermos exigir a quem de direito a responsabilidade civil e criminal por terem deixado cair tudo nesta região».

Sobre os inquéritos crime em curso em cinco comarcas – Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria e Viseu –, um ano depois dos incêndios que resultaram em vítimas mortais ainda «não têm arguidos constituídos», disse ontem ao SOL o Ministério Público.            
       
Dez casas concluídas e pagas

No total, arderam cerca de 1.700 casas de primeira habitação e outras cerca de 6.500 de segunda habitação, durante os incêndios de 15 de outubro. Tal como aconteceu em Pedrógão Grande, o Governo excluiu dos apoios para a reconstrução de todas as habitações que não são morada de residência (1.º habitação).  

Mas, entre as casas de 1.ª habitação que arderam, houve exclusões na atribuição de dinheiros públicos para a reconstrução. De acordo com os dados da CCDR Centro – a que o SOL teve acesso –, nos 28 concelhos da região centro deram entrada 1.305 pedidos de verbas de apoio para a reconstrução de casas. Destes pedidos, houve 477 que «não tiveram acolhimento no programa de apoio, o que corresponde a 36,5% dos pedidos», lê-se no documento. 

Ou seja, dos 1.305 pedidos de apoio apenas 828 habitações vão contar com a transferência de mais de 60 milhões de euros do Estado para reconstrução parcial ou total. Neste número inclui-se o apoio a 29 apetrechamentos, com o valor de 71.5 milhões de euros.

São verbas que são transferidas diretamente do Ministério do Planeamento e das Infraestruturas diretamente para as CCDR. Ao contrário do que aconteceu em Pedrógão Grande, não foi constituído qualquer apoio do Revita e não houve a transferência de donativos particulares e de empresas para apoiar as vítimas dos incêndios de 15 de outubro. 
Ao SOL, Fernando Tavares Pereira garante que das 828 habitações elegíveis para receber apoios públicos apenas «dez habitações» foram concluídas e pagas pela CCDR-Centro, permitindo que voltem a ser rehabitadas. Ainda de acordo com o presidente da MAAVIM, «foram adjudicadas cerca de 400» obras sendo que muitas delas através de ajustes diretos. 

Também o presidente da Associação das Vítimas do Maior Incêndio de Sempre em Portugal, Luis Lagos, lamenta o atraso do processo sublinhando que o ideal seria que as famílias pudessem passar o Natal nas suas casas.  

Mas, com este cenário os representantes das duas associações receiam que as famílias não consigam ver as suas casas reconstruídas antes do final deste ano, tal como previsto inicialmente. 

Mas, pelos dados da CCDR-Centro, estão em execução 455 reconstruções, das quais 285 estão concluídas com pagamentos que ascendem aos 14,7 milhões de euros. Sem execução estão 88 obras.

Entre as 477 habitações que viram recusado o apoio para a reconstrução, há 187 cuja titularidade do imóvel não correspondia ao residente, outras 180 não eram de habitação permanente, 30 não cumpriam a legalidade urbanística. Houve ainda 46 casos de desistência do pedido de apoio, a que se somam 29 de danos não justificados e outros cinco por outras razões de recusa de apoio não tipificada.

Nestes números não estão incluídas as habitações cuja reconstrução representava um custo inferior a 25 mil euros. As obras destas habitações ficaram a cargo das respetivas câmaras municipais. 

Apoio não chega a agricultores

Das 500 empresas destruídas, 403 pediram apoios para se reerguerem. Mas, destas, apenas 283 já viram aprovados os pedidos de apoio para reconstrução, com um investimento previsto de 90,1 milhões de euros, dos quais 74,1 milhões de euros são de fundos comunitários. Há ainda 94 projetos em análise.

Segundo o documento da CCDR Centro, apenas 22,1 milhões de euros já foram pagos.

Mas, de acordo com os presidentes das duas associações, os agricultores são quem mais tem sido prejudicado com a falta de apoios.  «Há uma grande injustiça e os agricultores profissionais têm sido os maiores prejudicados com toda esta tragédia», salienta ao SOL Luis Lagos. Isto porque «tiveram um apoio que é residual e não se coaduna nada com aquilo que aconteceu» e hoje «estão completamente abandonados e entregues à sua sorte», alerta.

O ministro da Agricultura anunciou o apoio a cerca de 20 mil agricultores na região que foi desvastada pelos incêndios. No entanto, Luis Lagos diz que isso «não corresponde à verdade, porque não há sequer 20 mil agricultores na região», e explica que o Governo apoiou «20 mil proprietários, o que é uma coisa completamente diferente». Os apoios a proprietários permitiram a transferência de verbas públicas a  pessoas «que tinham um pinhal que não limpavam há dez anos e que puderam candidatar-se a um fundo até cinco mil euros e ser ressarcidos em 85% desse valor. Mas essas pessoas não são agricultores, são proprietários florestais apoiados com fundos públicos».