“Without data you’re just another person with an opinion” já dizia W. Edwards Deming

O conhecimento empírico existe e a ele devemos dar o devido reconhecimento, contudo, tanto este como o elogiado bom senso, conduzem a que em relação a temas polémicos, se opine com total desconhecimento sobre a realidade e conhecimento científico acumulado.

Vem esta reflexão a propósito do Acórdão do Tribunal Constitucional 225/2018 de 24 de Abril, que declarou a inconstitucionalidade do normativo da Lei de Gestação de Substituição e também de dois pontos da Lei da Procriação Medicamente Assistida concretamente o Ponto 1 e 4 do Art. 15 da Lei 32/2006. 

Esses dois pontos da referida lei foram considerados inconstitucionais porque retiram aos adultos nascidos com recurso a gâmetas de dadores e embriões doados, o direito à identidade biológica previsto na nossa constituição. Convém recordar que a lei da adopção em vigor já garante aos adoptados o direito a conhecer a identidade dos progenitores biológicos. 

Recordo-me que quando surgiram as primeiras notícias, no almoço de grupo em que me encontrava, com pessoas de diferentes idades e experiências pessoais e profissionais, logo cada um se manifestou de forma categórica sobre o tema da Doação de óvulos e esperma e Gestação de Substituição.

Porque cada um tem direito à opinião pessoal, limitei-me a clarificar incorrecções e a responder a algumas dúvidas, contudo, ao longo destes meses tenho seguido com a preocupação de quem trabalha nesta área, o que se tem escrito sobre as consequências futuras da quebra do anonimato dos dadores. 

De forma recorrente se tem alertado, reclamado, augurado sobre consequências da quebra do anonimato dos dadores, sem ter em consideração a longa experiência dos países onde aos adultos nascidos de doação de gâmetas é reconhecido o direito legal a obterem informação sobre a identidade civil do dador. 

Discute-se sobre riscos dos dadores reclamarem os “filhos”, das “crianças baterem à porta dos dadores à procura da “mãe/pai”, a diminuição drástica do número de dadores, a ameaça de o adulto nascido receber uma comunicação oficial com a informação sobre ter nascido com recurso à de doação de gâmetas, etc. 

São já muitos os países na Europa onde essa é a norma – Reino Unido, Finlândia, Alemanha, Suíça, Holanda, Suécia, Áustria, Dinamarca (onde existem dadores anónimos e não anónimos) e recentemente na Irlanda. 

Poderemos argumentar que se trata de países culturalmente diferentes, mas sobretudo onde a infertilidade e a necessidade de recorrer a doação não constitui um estigma e por isso necessário esconder a todo o custo. 

E o que acontece nesses países? A realidade é bem mais tranquilizadora para todos os envolvidos. Se nalguns países se verificou uma diminuição inicial no numero de dadores, a situação acabou por se normalizar e atrevo-me a afirmar, com uma mudança do perfil dos dadores – mais informados, conscientes e orientados para as necessidades emocionais futuras do adulto nascido de doação. 

Aliás, no nosso país, alguns centros privados com Programa de Doação de óvulos têm revelado que as dádivas de dadoras não têm sofrido quebras significativas. Será importante que campanhas futuras tranquilizem os possíveis candidatos a doação de esperma sobre as implicações práticas da quebra do anonimato.

Nos países atrás referido, o direito à informação sobre a identidade civil do dador é adquirido à maioridade e nalguns países aos 16 anos com a devida autorização dos pais, pelo que falar de um direito das crianças, induz em erro e assusta os envolvidos.

Por outro lado, aos dadores não cabem quaisquer direitos ou deveres em relação as nascido e muito menos a obrigação de aceitar qualquer contacto por parte desse adulto. 

Os inúmeros estudos com famílias que recorreram a doação de gâmetas mostram que nos países onde vigora o não anonimato dos dadores, se podem encontrar diferentes comportamentos: jovens ou adultos que não mostram nenhuma curiosidade sobre o dador e por isso não exercem esse direito legal, muitos que têm curiosidade sobre a ascendência familiar e informação de saúde e outros que estabelecem contacto com os dadores, geralmente através de redes sociais.

De forma generalizada referem sentirem-se felizes com a família e os pais que têm, mas precisam satisfazer a sua curiosidade (natural e humana) sobre esse dador de quem herdaram metade do seu código genético. 

Em nenhum país existe uma imposição legal de que os pais informem os seus filhos de que nasceram de doação de gâmetas. Essa será sempre uma decisão pessoal decorrente dos valores pessoais e modelos de relação familiares, pesando os riscos cada vez maiores, que o adulto nascido de doação venha a descobrir por si próprio que não é geneticamente aparentado com um ou ambos os pais.

E é esta realidade emergente que devemos ter em conta. Com a vulgarização da utilização de testes genéticos por curiosidade do próprio, a evolução da medicina que tenderá a ter em conta o perfil genético de cada um, será altamente improvável que um adulto não venha a descobrir ao longo da sua vida que nasceu de doação de gâmetas.

Cabe agora aos nossos deputados legislarem rapidamente e acabarem com a ambiguidade e o limbo que tanto tem prejudicado quem precisa de doação de gâmetas para poder constituir uma família.       

Ana Oliveira Pereira
Psicóloga clinica e da Saúde
Ava clinic – Centro de Fertilidade