Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades…

Minha querida Sónia: havia tantas coisas para falarmos que nem sequer cabiam no teu ‘caderninho’. Obrigado pelos bons conselhos que vais dando aos portugueses na rádio

Ainda não há muito tempo entrou no meu gabinete do centro de saúde uma das vozes mais bonitas da rádio, concretamente da Rádio Renascença, bem conhecida dos portugueses, que conduz diariamente um dos programas da tarde: Sónia Santos.

Excelente profissional, com uma grande experiência, muito competente e rigorosa naquilo que faz, Sónia falava como era diferente o seu trabalho no passado, reconhecendo e identificando as grandes mudanças que têm ocorrido na rádio. 

Contou-me um episódio que ainda hoje recorda com uma certa graça, quando um chefe lhe terá oferecido um ‘caderninho’ destinado ao Show Prep, isto é, à preparação do programa. Nesse bloco de apontamentos ela devia registar todos os eventos e ocorrências do dia-a-dia, por exemplo, um filme a que assistira e que a tivesse marcado, uma visita a qualquer local de interesse público, qualquer coisa que pudesse fazer notícia no contacto com a vida diária. «Hoje tudo é diferente», comentava ela, «já não tenho o tal ‘caderninho’». E quanto a notícias, é preciso ir procurá-las à net!

 

Estava eu a ouvi-la, quando lhe disse qualquer coisa do género: «Os tempos são outros e muita coisa mudou…», na mesma linha de pensamento que inspirou Camões a compor aquele fantástico poema ‘Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades…’.

De facto, na nossa vida já se verificaram muitas mudanças induzidas pelos sinais dos tempos que estamos a viver — e nada podemos fazer para travar esta evolução. Não sou daqueles derrotistas tipo ‘velho do Restelo’ que não admite as mudanças, que acha que tudo vai para pior; mas também não penso que todas as alterações foram boas e que nos nossos dias tudo é um mar de rosas. Há de tudo um pouco: coisas boas e coisas más. E quanto a nós, sem perdermos a nossa identidade nem os valores em que acreditamos, lá nos teremos de adaptar, com mais ou menos dificuldades, às novas regras impostas.

 

No meu ramo profissional, muitas foram as mudanças e nos mais variados setores.

Se é bom enaltecer os avanços no tratamento de certas doenças oncológicas, neurológicas infecciosas e cardiovasculares, também não podemos deixar de lamentar o estado a que se chegou, por exemplo, na Medicina Familiar, onde a desumanização se tornou uma constante, com os doentes transformados em números e indicadores – e as consultas são ‘provas de resistência’ em que os utentes, cada vez mais desinformados, exigentes e agressivos, tentam de quando em quando ‘sacar’ dos médicos tudo aquilo que lhes passa pela cabeça, mesmo sem estar indicado do ponto de vista clínico.

O conceito de família mudou completamente, e a família nuclear tradicional começa a ser rara nos tempos que vão correndo. Para falarem umas com as outras, as pessoas passaram a optar pelas mensagens, ficando para trás o telefonema e o encontro pessoal, perdendo-se o contacto humano.

Os cuidados continuados ainda são uma miragem no nosso país, ao contrário do que se vai vendo lá fora. É preciso insistir e continuar a bater na mesma tecla. Um país que não cuida bem dos seus idosos é como uma família em que os filhos não cuidam bem dos seus pais na velhice!

 

É certo que hoje se vive mais; mas, acima de tudo, importa preservar a qualidade de vida e nem sempre parece haver tal intenção. O consumo do tabaco tem vindo a aumentar, principalmente entre as mulheres, que hoje fumam mais do que os homens. O álcool tornou-se numa referência obrigatória, e em muitas ocasiões perdeu-se mesmo o bom senso, passando-se a beber sem regras e sem limite. E é preciso um grande esforço para fazer ver aos mais novos os benefícios de uma alimentação correta e de estilos de vida saudáveis.

Minha querida Sónia: havia tantas coisas para falarmos que nem sequer cabiam no teu ‘caderninho’. Obrigado pelos bons conselhos que vais dando aos portugueses nos programas radiofónicos. Unidos nos mesmos valores e em nome dos mesmos ideais, todos juntos podemos ajudar a construir um mundo melhor.