Corrida à Inteligência Artificial

‘Disrupção’ e ‘exponencialidade’  não são palavras familiares. Mas se há uma certeza quanto ao futuro, é que elas farão parte dele. 

Quer dar um pulinho ao futuro? Vamos lá, aperte o cinto. 

Carne sintetizada em laboratório (vamos terminar com a fome no mundo e preservar o ambiente). Entregas de comida fresca ao domicílio feitas em menos de cinco minutos por drones (adeus supermercado, adeus frigorífico). Reprogramação genética (homem 1 – 0 doenças). Impressoras 3D (toda a logística como a conhecemos ficará obsoleta). 

Parece um lugar prometedor. Esta visão otimista foi partilhada em Portugal, Cascais, pelos quadros da Singularity University – um think-tank californiano que junta figuras de proa da academia na antevisão do progresso científico alimentado por tecnologias exponenciais. 

‘Disrupção’ e ‘exponencialidade’  não são palavras familiares. Mas se há uma certeza quanto ao futuro, é que elas farão parte dele.  

A exponencialidade tecnológica já está a ter profundos impactos económicos e políticos. 

Desde logo porque democratiza.

No século XVIII só os reis comiam gelados. Hoje todos temos frigoríficos em casa. 

No século XXI, milhões de pessoas em todo o mundo têm um telemóvel igual ao do Papa.

 

Para além de tornar as coisas mais acessíveis a todos, a exponencialidade tecnológica cria abundância. Jeffrey Rogers, da Singularity University, desafia-nos a olhar para a evolução do custo da sequenciação do ADN. Em 1997, a sequência completa custava 2,7 biliões de dólares. Mas menos de dez anos depois, em 2006, um processo científico complexo de biliões já tinha caído para 350 mil dólares. Em 2014, 1000 dólares. Em 2017 o custo de sequenciar o ADN caiu para uns impressionantes 100 dólares. Rodgers usa este exemplo para mostrar como o mundo está a fazer a transição entre dois modelos económicos: de um modelo linear para um modelo exponencial de crescimento económico. 

David Roberts, outro quadro da Singularity University, chama a atenção para a forma como a evolução tecnológica causa disrupção. De empresas, conglomerados, economias inteiras. Olhe para estes números: em 1920 uma empresa americana tinha uma esperança média de vida de 67 anos. Hoje quem está no S&P500 não passa da adolescência: 15 anos de esperança média de vida. O ritmo da mudança é dramático. «40% do S&P500 vai pura e simplesmente desaparecer em dez anos», vaticina Roberts. Quando olhamos para o negócio dos grandes operadores logísticos no tempo das impressoras 3D conseguimos certamente perceber o ponto de Roberts.    

Várias questões emergem no debate sobre o impacto da exponencialidade e da disrupção tecnológica. 

 

A primeira é, obviamente, de propósito. A robotização promete tocar todos os aspetos da nossa vida e a economia caminha para a pós-escassez. Mas se há tudo para todos, se o trabalho passa a ser uma função secundária para os humanos, qual é o propósito da vida? 

 

A segunda questão tem a ver com liberdade e uniformidade. Os robôs jogam xadrez. Criam ‘arte’. Constroem tudo e mais alguma coisa. Escrevem peças de ‘literatura’ e o que lemos em alguns sites de notícias das mais respeitadas redações do mundo. Os graus de centralização e uniformização são assustadores. Por outro lado, a ‘eletrificação’ da sociedade também tem custos do ponto de vista da liberdade. Os dados são o sistema vascular desta sociedade. A forma como esses dados são obtidos para promoverem o sistema está muito longe de ser uma questão resolvida.  

Do ponto de vista político macro, é hoje claro que a corrida espacial da Guerra Fria tem sucessor na corrida pelo domínio da Inteligência Artificial.  

 

China e Estados Unidos lutam corpo a corpo para ter a supremacia nesta área que concede vantagens militares, económicas e preditivas cruciais.   

A China está a fazer uma evolução com saltos abruptos. Com investimentos de 12 biliões de dólares em 2017, e uma previsão de gastos de 70 biliões em 2020, Pequim quer ser o poder tecnológico hegemónico em 2025. 

Tem dinheiro. Tem vontade política. E, mais importante, tem acesso a dados dos cidadãos numa escala diluviana. Ainda acha que o futuro é prometedor?