Futuros carros autónomos ‘invadem’ Lisboa

Se viu, esta semana, na CREL, alguém a conduzir sem as mãos no volante, não se assuste. A A9 foi palco de vários testes a carros que se conduzem sozinhos

Pablo Dafonte, do Centro Tecnológico de Automóvel da Galiza (CTAG), entra no carro no lugar de condutor. Naquele momento, o protótipo de carro autónomo em nada difere de um carro tradicional. Até chegar ao ponto onde vai ser testado, Pablo Dafonte conduz o automóvel normalmente. Entra na CREL, no nó de Odivelas, onde estão a ser feitos os testes ao Sistema Cooperativo Inteligente de Transportes (C-ITS, na sigla inglesa), e vai em direção ao nó da Pontinha. Só depois de passar o túnel é que chega o momento de deixar o volante.

O investigador aciona o mecanismo de condução autónoma e o veículo continua a andar – desta vez, sozinho. Faz as curvas e mantém a velocidade estabelecida pelo condutor – não sendo possível ultrapassar o limite estipulado para os testes, neste caso 80 quilómetros por hora. «O posicionamento é feito pelas linhas [da estrada], pelo GPS e pelo mapa», explicou ao SOL. E como é que o carro deteta as linhas da estrada? Na parte da frente do carro, foi colocada uma câmara que permite identificar onde estão as linhas que limitam a faixa.

Sem que Pablo Dafonte mexa nos pedais, o veículo reduz automaticamente a velocidade para os 60 quilómetros por hora. «Agora, o veículo adapta a velocidade porque recebeu uma informação de que há perigo de deslizamento de terras na estrada», explica. Ao receber um novo sinal a indicar que o saiu da área perigosa, no evento simulado pela organização dos testes, o veículo volta a assumir a velocidade que tinha.

Para além do carro da CTAG, estão mais dois veículos em testes durante esta semana na CREL, no âmbito do projeto AutoC-ITS, que envolve entidades de Espanha, França e Portugal, representado pelo Instituto Pedro Nunes, pela Universidade de Coimbra e pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR). Um dos veículos foi produzido pela Universidade Politécnica de Madrid – que desenvolveu o mecanismo de condução, em parceria com a INDRA, responsável pelo sistema de receção e emissão de sinais – e o outro é patrocinado pela Bosch – que, apesar de não ser autónomo, permite receber informações, alertando o condutor para situações de perigo. Nestes testes, a Brisa foi também parceira, estando responsável pela colocação das infraestruturas de transmissão de informação aos veículos

«O AutoC-ITS é um projeto cujo o objetivo é desenvolver a tecnologia que suporta a interoperabilidade e o serviço contínuo dos sistemas de comunicação cuja informação é emitida pelas infraestruturas e rececionada os veículos», explica ao SOL José Eugenio Hernández, investigador da Universidade Politécnica de Madrid. Recebido um sinal, tanto o carro da Universidade Politécnica de Madrid como o veículo da CTAG «são capazes de automaticamente controlar o volante e a velocidade do carro seguindo a estrada e receber informação da agência nacional de trânsito», como por exemplo mediante «um aviso de neve ou um aviso público» o carro faz uma «redução da velocidade ou uma paragem do carro automaticamente». O carro da Bosch apenas recebe o sinal e avisa o condutor das condições da via.

Nos dois carros que ‘reagem’, o mecanismo está introduzido no porta-bagagens. «Na parte de trás do veículo estão todos os computadores, todas as plataformas que controlam o veículo», explica Pablo Dafonte. Estes dispositivos «processam a informação que define as circunstâncias que envolvem o veículo e como tem de se posicionar na estrada». No caso do protótipo da CTAG, os controlos do automóvel passam pelo computador de controlo autónomo, sendo possível desativar o mecanismo.

Os veículos em teste são de autonomia nível dois, numa escala de um a cinco – ou seja, o carro é autónomo, mas o condutor tem de estar com atenção para assumir o controlo do volante a qualquer momento. O primeiro nível – já incluído na maioria dos carros em circulação – corresponde ao controlo automático da velocidade, cruse control ou ao cálculo do posicionamento adequado nas vias, enquanto nos níveis mais elevados – que, segundo a lei portuguesa, não são permitidos – o condutor pode efetuar outra tarefas durante a condução.

«O principal objetivo da condução autónoma é a segurança. É fundamental. Nós temos muitas mortes por ano devido ao trânsito, mais de 90% é devido a despistes do condutor», diz Dafonte ao SOL. «Mas a verdade é que há outras vantagens na condução autónoma. A primeira é a comodidade, porque permite utilizar esse tempo desperdiçado a conduzir para fazer outras coisas – estar com o telemóvel, trabalhar, enviar mensagens. Outra é, por exemplo, as pessoas com mobilidade reduzida ou com problemas de movimento poderem conduzir um veículo autónomo», acrescenta.

Os testes e eventos simulados foram desenvolvidos pelo Instituto Pedro Nunes. Pedro Serra, coordenador do projeto explica que, para além de ser responsável pelo convite das empresas, o instituto era também responsável por «garantir que as mensagens estavam a ser enviadas pelas roadside units (RSUs) e a operabilidade dos sistemas em veículos de vários fabricantes».

«Aquilo que estamos a testar é termos eventos simulados – quer seja estrada escorregadia, nevoeiro, ventos fortes – e os veículos, quando vão em modo autónomo, adaptarem o seu comportamento», explica, acrescentando que «está tudo a correr conforme planeado».

Grupo de Trabalho vai estudar nova legislação

«Esta tecnologia vai chegando gradualmente. Já existem alguns veículos com algum nível de condução autónoma e vão continuar a surgir. Mas para isso também precisamos do enquadramento legal», diz Pedro Serra.

Para Guilherme W. d’Oliveira Martins, Portugal não pode ficar para trás e «tem de participar nestes testes também». O secretário de Estado das Infraestruturas afirma que o governo está empenhado em investir em infraestruturas para que possam receber os veículos «e isso pressupõe uma adaptação, um grande investimento por parte das concessões e do Estado».

«Convém explicar que estes testes ainda têm um caráter de excecionalidade porque, para conseguirmos realizar estes testes, por exemplo, nos municípios e ambientes urbanos, é necessária uma alteração legislativa onde não só deve contemplar as questões de infraestruturas como também questões de segurança rodoviária», explica ao SOL.

Segundo a legislação rodoviária, um condutor não pode efetuar nenhuma outra ação durante a condução. No entanto, com a evolução dos carros autónomos essa questão levanta-se. Será possível ser conduzido enquanto se lê um livro, por exemplo?

«Vamos nomear um grupo de trabalho que irá propor essas alterações legislativas, que são evidentemente necessárias», disse ao SOL o secretário de Estado da Proteção Civil, José Artur Neves, depois ter experimentado um dos veículos autónomos. Para o governante «todos os mecanismos que se estão a desenvolver para reduzir a sinistralidade rodoviária naturalmente que são bem-vindos».

Outra questão relacionada com os automóveis autónomos é a questão da responsabilidade, recorda Guilherme W. d’Oliveira Martins. Até porque, «no futuro vamos ter condução autónoma em ambiente em que existe condução não autónoma».