Os papéis da reforma

Após três sessões legislativas e quatro orçamentos viabilizados (nestes se incluindo o de 2019, naturalmente), dos 17 ministros que entraram em funções em outubro de 2015, resistem 11. Destes 11, dois – Augusto Santos Silva e Vieira da Silva – são agora os governantes com mais tempo em funções (como secretários de Estado e ministros)…

Ora, não obstante esta remodelação ter sido anunciada como a maior dos últimos 17 anos, se aqueles 11 ministros terminarem a legislatura, este Governo de António Costa, apesar de minoritário, será o Executivo mais estável da história da democracia portuguesa (se descontarmos as trocas de secretários de Estado e, sobretudo, as de chefes de gabinete e assessores, onde tem havido um verdadeiro corrupio).

Cavaco Silva remodelou quase dois terços dos ministros nos seus Governos da segunda metade dos anos 80 e da primeira dos anos 90, António Guterres substituiu metade do seu Governo de 1995 a 1999 e José Sócrates idem no único Executivo PS com maioria absoluta, entre 2005 e 2009.

Costa, se não fizer nenhuma remodelação no último ano de mandato, deixou cair apenas um terço dos seus ministros.
Ou seja, a ‘geringonça’ funcionou que nem uma máquina bem oleada, e o BE e o PCP foram dois parceiros absolutamente irrepreensíveis e alinhados.

Tirando João Soares, ministro da Cultura a quem António Costa retirou a confiança política por oferecer dois tabefes a um colunista, todos os outros ministros substituídos não eram políticos nem tinham força política. Eram, como se diz nos bastidores, técnicos.

Ministros políticos são os dois veteranos já referidos, Santos Silva e Vieira da Silva, aos quais se juntam ainda Eduardo Cabrita, Pedro Marques, Capoulas Santos e Ana Paula Vitorino.
Mas há também, claro, o CR7 do Ecofin, Mário Centeno, que começou por ser o patinho feio do Governo e acabou estrela maior aquém e sobretudo além fronteiras.

Ao longo destes três anos, Costa sacrificou amizades, mostrou sempre sangue frio e até gélida insensibilidade, não se deteve quando um dos seus tropeçou ou caiu, nem hesitou quando forçado a disparar para evitar ser atingido ou salpicado.
António Costa é assim.

Determinado, implacável. Seja com quem for, mais ou menos próximo, mais ou menos político.
Se assim conquistou o poder, assim só muito dificilmente o perderá.
Na política, António Costa sempre foi um sobrevivente e um pragmático.
Por isso, pragmaticamente, não promoveu Pedro Nuno Santos a ministro.
Pedro Nuno Santos foi um – se não mesmo ‘o’ – obreiro da ‘geringonça’.
Enquanto secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, coordenou desde a primeira hora as negociações com o BE e o PCP para assegurar a manutenção da maioria parlamentar de sustentação do Governo e, principalmente, de viabilização dos sempre críticos Orçamentos de Estado.

Fez, neste particular, um trabalho notável, que só alguém com experiência e traquejo, capacidade negocial e habilidade política pode fazer.
O que não é exigível a um mero secretário de Estado.

Da mesma forma que não pode exigir-se a um empenhado e ativo militante que se crê capaz de liderar um projeto para o partido e para o país que abdique da legítima ambição de ser líder.

António Costa e Pedro Nuno Santos sabem ambos que este será um dia líder do PS, como aliás resultou inequívoco do Congresso da Batalha.

E também ambos, se não sabem, fazem uma ideia muito aproximada de quando o será.
Só que Costa, como fez questão de dizer no Congresso da Batalha, não vai querer meter os papéis para a reforma tão cedo – mesmo que eliminando o fator de sustentabilidade, contabilizando  mais de 40 anos de atividade política e tendo começado antes dos 20.

Na história do Partido Socialista, nunca um líder escolheu ou esteve alinhado com o seu sucessor e, se excluirmos as exceções de Ferro Rodrigues e Almeida Santos, o novo líder praticamente sempre se impôs contra o seu antecessor. É olhar para a lista: Mário Soares, (Almeida Santos), Vítor Constâncio, Jorge Sampaio, António Guterres, (Ferro Rodrigues), José Sócrates, António José Seguro, António Costa. E, já agora, outra tradição no partido é o número dois separar-se do número um (Costa também assim o fez em relação a Sócrates).

Tudo dependerá de como correrem ao PS as eleições de 2019: se Costa terá ou não maioria absoluta. E da condição em que ficará Pedro Nuno Santos. Podendo vir a dar-se o caso de lhe ser mais difícil chegar a ministro com Costa do que ser um dia primeiro-ministro, enquanto líder do PS mesmo contra a vontade de Costa.