Parceiros de esquerda não sabiam que o Governo queria limitar acesso às pensões antecipadas

Parceiros de esquerda não sabiam que o Governo queria limitar acesso às pensões antecipadas e cantaram vitória sobre o fim das penalizações em 2019.  O efeito durou dois dias.

O anúncio do travão às reformas antecipadas antes dos 60 anos trocou as voltas aos parceiros de esquerda do PS. Ninguém negociou qualquer restrição sobre o acesso a pensões antecipadas para o Orçamento do Estado de 2019, mas o ministro do Trabalho e da Segurança Social, Vieira da Silva, defendeu um duplo impedimento à aposentação antecipada, dois dias depois da entrega da proposta de Orçamento do Estado para 2019. 

O Governo defendeu que só podem aceder à reforma antecipada os trabalhadores que tenham completado 40 anos de descontos aos 60 anos de idade. A regra obrigou o PCP e o Bloco de Esquerda a reagir, com a promessa de que a proposta terá de ser revertida na discussão orçamental, na especialidade. Os comunistas acrescentaram que se vão bater por uma versão mais arrojada, dentro e fora do Orçamento: reformas sem qualquer corte para quem tenha 40 anos de descontos, independentemente da idade, uma velha bandeira do PCP.

O Executivo não revelou a intenção de aplicar novas regras no regime de reformas nas longas horas de negociação sobre o tema com a esquerda, mas o primeiro-ministro, António Costa, considerou que Vieira da Silva tinha «explicado bem» a medida.

Assim, o grupo parlamentar socialista foi apanhado no meio da confusão. O líder da bancada do PS, Carlos César, percebeu o problema e tentou corrigir o ministro do Trabalho: «Existindo alguma dúvida sobre a forma como isso está redigido, devemos modificar. A questão que subsiste é que essa norma não deve fazer regredir nenhum outro direito que antes já estava adquirido». A frase surgiu depois das primeiras reações dos comunistas e do Bloco. Mais uma vez o também presidente do PS assumiu o papel de concertação parlamentar, depois de perceber que este caso poderia criar um novo foco de tensão à esquerda no momento mais delicado: a votação do Orçamento do Estado

A medida polémica estará a ser avaliada há meses, mas não passou pelo Parlamento. O trabalho será feito em sede de concertação social e Vieira da Silva admitiu, entretanto, um período de transição para aplicar a proposta porque «não acredita em transições abruptas». Faltou explicar como funcionará esse período de transição, uma dúvida que também assiste ao deputado do Bloco de Esquerda José Soeiro: «Não sabemos exatamente o que o senhor ministro quer dizer quando fala num regime transitório»

O Bloco de Esquerda acrescentou ainda que só há um caminho a seguir, o de acautelar que não haverá «nenhuma regressão de nenhum direito que esteja adquirido ao abrigo do regime que já existe».

O dossiê das pensões foi o que registou mais avanços nas negociações à esquerda, com a entrada em vigor do fim da penalização do fator de sustentabilidade (14,5%) nas reformas antecipadas. A proposta de Orçamento do Estado prevê duas fases: quem tenha 40 anos de descontos e 63 de idade pode aceder à reforma antecipada a partir de janeiro do próximo ano. Desaparece a penalização de 14,5%, mas mantém-se um corte de 0,5% até se atingir a idade legal de reforma, ou seja, 66 anos e cinco meses. Em outubro de 2019, o alívio nas penalizações chega a quem tenha 60 anos de idade e 40 completos de contribuições. Esta versão foi uma vitória do Bloco de Esquerda, uma vez que o PCP, acordou previamente a mesma medida com entrada em vigor um pouco mais tarde: janeiro de 2020.

Na lista de propostas negociadas entre PCP, Bloco de Esquerda e o Governo ficaram por fechar várias áreas: energia, por exemplo, ou o montante para os aumentos da Função Pública. 

Na ronda negocial com o PCP e o Bloco, o ministro das Finanças manteve-se irredutível. Em 2019 só existem 50 milhões de euros para atualizar salários da Função Pública. Mário Centeno deixou em aberto os valores do aumento, colocando em cima da mesa vários cenários como o de um aumento igual para todos: 5 euros. 

A descida do IVA da eletricidade na potência contratada também ficou aquém das expectativas da esquerda. A taxa de 6% só será aplicável para a potência contratada até 3,45 KW na luz. Em entrevista à Rádio Renascença, a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, considerou que «é uma potência muito baixa, não atinge praticamente ninguém». Por isso, esta será uma das matérias a negociar em sede de especialidade no Orçamento do Estado. 

O frango não chega

A esquerda não ficou satisfeita com alguns pontos da proposta de Orçamento do Estado, mas no PS também existem críticas. O primeiro-ministro, António Costa, explicou o documento na reunião da Comissão Política, e ouviu o dirigente da FESAP, José Abraão, pedir aumentos reais para a Função Pública, sem olhar apenas para as médias. «É como a história do frango. Há um que come a asa e dois que comem o resto, mas há um que ficou com fome. Repartido por todos não faz sentido absolutamente nenhum. É a história das médias… » exemplificou José Abraão. Lá dentro ouviu Costa a defender que em 2019 só existem 50 milhões de euros para os aumentos no setor público, mas «há mais orçamento para além de 2019». Ou seja, o Governo prepara-se para negociar a aplicação de aumentos para a Função Pública para lá da atual Legislatura, sabendo de antemão que enfrentará uma greve no setor no dia 26.

Na reunião da Comissão Política do PS, apurou o SOL, a deputada Wanda Guimarães também defendeu o aumento dos dias de férias. numa discussão em que a polémica sobre as pensões não entrou, porque ninguém sabia das intenções do Executivo de limitar o acesso às reformas antecipadas.