Eleições no Brasil. “Se Bolsonaro ganhar, a esquerda volta em força”

A escassos dias da segunda-volta, Haddad e Ávila desdobram-se em comícios de apelo à viragem. Basta que cada um mude um voto, dizem aos seus apoiantes, divididos entre a réstia de esperança e a falta dela

“Ele vai ganhar.” Pode ser um comício de Haddad este em que estamos, até porque Bolsonaro não os faz – o mais perto que chegou disso foi a polémica videochamada para a Avenida Paulista, no domingo, onde dezenas de milhares dos seus apoiantes se manifestavam, em que traçou o destino dos seus opositores: a prisão ou o exílio. Mas não será precisa explicação para se perceber que este “ele” não é o candidato que acena da janela à multidão que transborda para a rua, e para além da rua Monte Alegre, no Tuca (Teatro da Universidade Católica de São Paulo), com o apelo para que cada um dos seus eleitores consiga convencer alguém a mudar o voto. “Fazendo uma análise”, responde o parceiro, “se ele ganhar, daqui a quatro anos, a esquerda volta em força.” Ele, Jair Bolsonaro.

Entre uma esperança que se esvai à medida que se aproxima o dia da segunda volta das eleições, já no próximo domingo, e a procura de razões para ver já o copo meio cheio no que muitos imaginam que será o dia seguinte, há os que Fernando Haddad e Manuela d’Ávila ainda conseguem fazer acreditar. Só assim será possível. Pelo vira voto. Haddad pede a cada um que vire um voto, Manuela, candidata a vice, pede quatro. “Faltam 100 horas”, não há tempo a perder. Faltavam. Isto foi na noite de segunda-feira em São Paulo (madrugada de terça em Lisboa). Ontem foi no Rio, com Caetano Veloso e Chico Buarque, hoje será São Paulo de novo. No Largo da Batata, palco do maior dos protestos do #EleNão, contra Bolsonaro.

Mas ainda no Tuca lembrou Haddad, mal subiu ao palanque, já ter visto ali “muita virada”. “Essa aqui vai ser mais uma. Com certeza. Dizer como ouvi aqui que a nossa candidatura representa hoje a luta da resistência democrática no Brasil depois de 30 anos da promulgação da nossa Constituição [deixa-me] muito honrado, mas a gente não quer ser só o símbolo da resistência. A gente quer ser a vitória da democracia sobre o que o Bolsonaro representa.”

E explicou depois, num discurso em que apelidaria o militar na reserva que lidera a corrida à presidência de “soldadinho de araque”, o que o seu adversário representa: “Em toda a lista negra de parlamentares veteranos do congresso nacional… perdão, negra, não. Toda a lista do baixo clero… também não. Vamos achar uma coisa para ele, minha gente, me ajuda”, sorriu. “De toda a lista fascista, ele figura como o campeão da imoralidade, o campeão do desrespeito pela democracia. São 28 anos – 28 – sem apresentar um projeto para o país em qualquer área. Nem na da segurança pública, que diz representar. Uma pessoa que saiu das trevas dos 30 anos da ditadura e que, sem que as pessoas consigam perceber o que ele representa – ainda, porque nós temos até domingo para demonstrar -, vem galgando degraus e aparece agora como paladino da restauração de uma ordem que ninguém quer mais.”

Nas sondagens, Bolsonaro vai perdendo, mas pouco. Ou quase nada. De acordo com a sondagem que fora conhecida nesse dia, o dia em que Marina Silva anunciava nas redes sociais que votaria Haddad, a primeira sondagem desde que rebentou a polémica da “caixa 2” de Bolsonaro, encomendada pela Confederação Nacional do Transporte ao instituto MDA, o candidato do Partido Social Liberal seguia com 57% das intenções de voto dos eleitores brasileiros, Haddad nos 43%. 

A última sondagem, essa do Datafolha, feita no dia anterior à publicação da notícia em que a “Folha de São Paulo” deu conta do financiamento ilegal da campanha de Bolsonaro por um grupo de empresários, através da compra de pacotes de disparo em massa de mensagens anti–PT via WhatsApp, apontava para uma diferença ligeiramente superior entre os candidatos: em votos válidos, 59% contra 41%.

“Sobre quem é o ídolo de cada um, cada um fala uma coisa. Jesus Cristo, Mandela, Martin Luther King, tem tanta gente boa.” Não é Haddad quem o refere, é quem assiste na rua gritando Lula. “Tem tanta gente boa e ele tem a coragem de dizer que Ustra, Brilhante Ustra [o torturador de Dilma Rousseff] é o seu herói. Tanta gente lutou por liberdade nesse país, tanta gente morreu por liberdade. Vamos abrir mão disso?” É para garantir que não se abre mão que, “apesar das diferenças”, Guilherme Boulos, do PSOL, acompanha os candidatos do PT e do Partido Comunista do Brasil a cada comício. A cada “ato de virada”, como lhes chamam. Será que vira? Nessa noite em frente ao Tuca, em São Paulo, havia quem acreditasse. Porque entre a assistência ainda se ouvia, com entusiasmo: “Isso ainda vai virar. Vai ver que ainda vai ter virada.”