«Não há machado que corte a raiz ao pensamento»

Para o bem e para o mal, estamos presos aos nossos pensamentos e são eles que nos podem libertar ou aprisionar

Esta imagem de uma pessoa curvada sob o peso do seu próprio pensamento encontra-se pintada nos muros do Parque da Saúde, em Lisboa, e ilustra a frase: «Não há machado que corte a raiz ao pensamento».

Trata-se de uma frase bem conhecida, da autoria de Carlos de Oliveira, cantada por Manuel Freire, que acrescenta ainda que «não há morte para o vento» nem «nada apaga a luz que vive / (…) num pensamento».

Com conotações políticas, ao declarar que o Estado podia controlar tudo menos o pensamento, que sempre resistiria, esta afirmação permanece válida porque efetivamente nada pode controlar o pensamento, uma vez que este é «livre», mote que dá também título ao poema. Na realidade, mais do que nas ações ou nos gestos, é no pensamento que somos – e sempre fomos – verdadeiramente livres.

Porém, é também o pensamento que nos pode prender. A figura amargurada, pintada na parede, está presa nos seus pensamentos e parece sucumbir sob o seu peso. Angustiada, essa figura parece não encontrar solução e não consegue libertar-se dos grilhões que a prendem. O peso é tal que faz encurvar o corpo e lhe retira qualquer hipótese de salvação. Como diz Valter Hugo Mãe: «Hoje, o sentido da vida regressa inteiro ao seu mistério». E é esse mistério, que não conseguimos vislumbrar, que ensombra, por vezes, os nossos dias. Mas, pode ser também esse mistério a suscitar, em nós, a curiosidade de ir mais além e de perscrutar aquilo que não vemos mas apenas intuímos. Pode ser esse mistério a levar-nos mais além e a querer viver para, em cada dia, usufruirmos da beleza que existe (nas palavras de José Sasportes) «na vertigem / da minha pouca eternidade» e «na recordação de quase nada», que nos leva a querer recordar quase tudo.

Assim, para o bem e para o mal, estamos presos aos nossos pensamentos e são eles que nos podem libertar ou aprisionar.

A imagem pintada na parede é pungente e impressiona, pelo peso que sentimos que aquela figura sente. Parece não haver salvação possível, e nada poderá libertar aquela «pessoa» do seu próprio pensamento, da amargura a que se sente aprisionada. Mas será também a partir do pensamento que a solução poderá surgir. É no fundo de nós mesmos que podemos encontrar a força para lutar contra o que nos encerra, tornando a vida mais luminosa.

Diz Tolentino Mendonça: «O desejo do ser humano é, de facto, sede e uma sede específica: é o desejo de ser amado, olhado, cuidado, desejado e reconhecido. Ser humano é sentir que a existência depende desse reconhecimento, mais do que de outra coisa qualquer, e por isso está pronto a arriscar tudo». É neste desejo de sermos reconhecidos pelos outros que reside a fonte para nos sentirmos valorizados e, como tal, nos sentirmos verdadeiramente pessoas. Verdadeiramente gente.

 

Maria Eugénia Leitão