Brasil. Haddad à espera de um milagre

O Brasil vai a votos com Bolsonaro favorito e o PT com esperança  de que a subida nas sondagens dos últimos dias permita a ‘virada’ nas urnas.

Brasil. Haddad à espera de um milagre

Jardim Paulista, bairro de classe alta da zona oeste de São Paulo. É aqui que vive Gustavo Von Ha, artista em 2015 e 2017 indicado ao prémio PIPA, um dos mais conceituados prémios de arte no país numa iniciativa do PIPA Global Investments com o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Entre as torres que compõem a vista até à Avenida Paulista, Gustavo corresponde a uma minoria. Porque vota Haddad e nem sequer vota Haddad contra Bolsonaro. Porque vota Haddad como votou Dilma e votou Lula. Vota Haddad como sempre votou: PT. «Esse argumento da ‘esquerda caviar’, muito usado pela direita para criticar os privilegiados que apoiam a esquerda, não tem o menor sentido. Lula foi o melhor Presidente que esse país alguma vez teve. E cada vez mais me convenço que a sua prisão é parte de um esquema que se tem desdobrado desde o impeachment até aqui.» Até este Brasil prestes a eleger um militar na reserva com um discurso de extrema direita para chefe de Estado.

Mas desta vez é diferente. Desta vez, a situação é de emergência. «Antes do primeiro turno, quando percebia que não tinha jeito de as pessoas votarem PT, fiz campanha até pelo Amoêdo [banqueiro do partido Novo]. Qualquer coisa menos Bolsonaro.» Recebe um SMS a dar conta de uma nova sondagem: Haddad, 51%, Bolsonaro, 49%. «Isto ainda vai virar. Eu acredito. Só nestes últimos dias consegui convencer oito pessoas a alterarem o seu voto. Oito», diz ao SOL o artista que à porta de casa já foi alvo de insultos por, em dia de manifestações da direita, ter saído à rua de vermelho. Não foi de propósito, mas poderia ter sido. «Sou artista. O meu trabalho é provocar.»

Que cada um virasse pelo menos um voto foi o que Haddad pediu aos seus eleitores durante uma semana em que, com Manuela d’Ávila e Guilherme Boulos, candidato do PSOL derrotado na primeira volta, se desdobrou em ações «de virada pela democracia». O problema daqueles números que colocavam pela primeira vez o candidato petista em vantagem fora do Nordeste é que diziam respeito  apenas às intenções de voto em São Paulo. E podem ter mudado o espírito entre os apoiantes do candidato do PT, sim, que na ação do dia seguinte, no Largo da Batata, mudaram até as palavras de ordem dos seus apoiantes: do #elenão por toda a campanha repetido para «vai virar, e vai virar, é o Haddad com projeto popular»; ou um esperançoso «já ganhou», que até aqui se ouvia apenas do lado de Jair Bolsonaro. Mas não chegam. 

Para vencer, continua a não bastar ao candidato do PT conquistar o voto dos indecisos, apesar de a última sondagem do Datafolha, divulgada na quinta-feira à noite, encurtar a distância entre os dois candidatos face à da semana anterior. 56% dos votos úteis continuam a cair para o lado de Jair Bolsonaro, 44% para Fernando Haddad. Uma semana antes, a diferença era de 59% para 41%. Considerando os votos brancos e nulos, as contas fazem-se com 48% das intenções de voto para o candidato de extrema-direita, 38% para o do PT. Os votos nulos ou brancos desceram apenas dois pontos, para 8%. Os indecisos mantêm-se nos 6%.

O que mostra esta última sondagem, que tem uma margem de erro de apenas 2%, é que o ex-prefeito de São Paulo ganhou votos entre o eleitorado masculino de baixos rendimentos e também aí ultrapassou já Jair Bolsonaro, com 46% das intenções de voto, contra 44%. E que avançou também entre os mais jovens, de 39% para 45% nos eleitores com menos de 25 anos, onde Bolsonaro caiu de 48% para 42%. Na faixa etária seguinte, Bolsonaro caiu, mas segue em vantagem. Entre os eleitores com ensino médio Haddad subiu mas continua nos 35%. O candidato do PT subiu também entre os mais ricos, mas continua a não reunir sequer um terço das intenções de voto entre esses segmentos, que continuam a preferir maioritariamente Jair Bolsonaro.

“Caso algo aconteça, estamos mais protegidos”

Ainda no Jardim Paulista, basta descer à rua, entrar em cafés, restaurantes, para perceber que o ambiente geral é diferente do que se vive em casa de Gustavo. Ricardo Petrilli, um empresário dos ramos do agronegócio, da energia e dos seguros que encontramos numa esplanada a poucos metros dali. Votará Bolsonaro convicto de que esse será o mal menor para o país, depois de na primeira volta o seu voto ter ido para Geraldo Alckmin, do PSDB. Agora, necessário é impedir o PT de cumprir o seu «plano», que explica: «Estatizar tudo, abrir um monte de benefícios, ganhar de novo o pessoal do Norte e do Nordeste, os menos favorecidos em conhecimento, com qualquer saquinho de leite já convencem todo o mundo.»

Mesmo assim acredita que o «mal» poderá vir, ainda assim, do outro lado. «A gente não sabe nem o que se passa na cabeça dele.» De Bolsonaro. Que Bolsonaro seja misógino, racista, homofóbico, que o seu discurso de ódio possa desencadear uma onda de violência, o empresário admite que sim. A ponto de já ter mudado de casa com a família e de estar agora a viver no mesmo condomínio que a sua irmã. «Caso algo aconteça, estamos mais protegidos.»

A redução da diferença entre os dois candidatos era previsível ao cabo de uma semana marcada por vários erros na campanha do candidato do PSL, que disputa a segunda volta sem se ter apresentado num único debate. Vítima de uma agressão à facada a 6 de setembro, Bolsonaro deixou de aparecer, salvo nas raras entrevistas que concede a partir da sua casa, no Rio de Janeiro, e em vídeos em que se dirige aos seus apoiantes nas redes sociais – e de uma videochamada para os seus apoiantes na Avenida Paulista no último domingo em que ameaçou os seus opositores de prisão ou exílio: «Esses marginais vermelhos serão banidos da nossa pátria. Essa pátria é nossa, não é dessa gangue que tem uma bandeira vermelha e a cabeça lavada.» Declarações que a esquerda cavalgou na última semana de campanha.

A Bolsonaro, Haddad pediu no Largo da Batata na quarta-feira, quando se conheceu a sondagem do Ibope que lhe dava vantagem em São Paulo, que desse apenas mais duas entrevistas. «Mais duas e perderá as eleições.» A seu lado, Boulos falava sobre «esse sentimento de quem está do lado certo da História, de quem começa a desmontar uma farsa». «Porque já está derretendo», avisava. «A rejeição está aumentando. Temos mais quatro dias para fazer derreter de uma vez. Parar derrotar o fascismo. Porque eleição não se ganha por antecipação, não. Eleição não se ganha antes da hora. A eleição vai ser ganha no domingo e vai ser ganha por Fernando Haddad. Porque nós vamos virar.»

Depois do escândalo do ‘caixa 2’ do WhatsApp noticiado pela Folha de São Paulo, revelando que a campanha de Bolsonaro foi ilegalmente financiada por um grupo de empresários que pagaram – em contratos que atingiam os 12 milhões de reais – pacotes de disparos em massa de mensagens anti-PT e das reações negativas ao vídeo transmitido na Paulista, uma outra polémica surgiu a partir da afronta do filho do candidato, Eduardo Bolsonaro, o deputado federal mais votado de sempre, ao sistema judicial, quando afirmou que bastava «um soldado e um cabo» para fechar o Supremo Tribunal Federal. 

Já sem impedimentos de saúde, Bolsonaro não participou no debate final da Globo, que deveria ter-se realizado ontem à noite. Segundo o general Augusto Heleno, um dos coordenadores da sua campanha, porque poderia ser alvo de «um atentado terrorista».

Mais uma queda de Bolsonaro

«O que houve foi mais uma queda de Bolsonaro do que propriamente uma subida de Haddad», comentava ontem o jornal Nexo o professor de ciência política da Unesp Alberto Aggio. «A campanha de Bolsonaro cometeu muitos erros. A começar pelo ar de prepotência, de achar que a eleição já estava ganha. Passar a impressão de que já está escolhendo o ministério como se estivesse eleito constituiu um erro clamoroso.» Sobre os númros em queda de Bolsonaro, Aggio admitia que poderá «abrir uma tendência no final da campanha». Porém «não está claro que Haddad tenha capacidade para operar a sedimentação dessa mudança». Na opinião do analista, Haddad «não tem conseguido construir fatos mobilizadores que impulsionem um arrancada final”. Mas não exclui a possibilidade de vir a ocorrer.

No início da semana, no Teatro da Universidade Católica de São Paulo, Haddad lembrou como já tinha visto «eleição virar ali». Nessa noite, artistas, académicos, torcidas de futebol, juristas – através de um manifesto pela democracia assinado por mais de 2 mil – e representantes de sete religiões juntaram-se em apoio à candidatura do PT. Foi o dia em que também Marina Silva expressou o seu apoio a Haddad nas redes sociais. Mas falta um nome: Ciro Gomes. É o seu apoio que Haddad procura até ao último dia. O presidente do PDT, com o qual Ciro Gomes concorreu às presidenciais, garantiu ontem que o ex-governador do Ceará ia gravar um vídeo de apoio a Haddad, assim que chegasse ao Brasil da Europa, onde passou as últimas semanas.

No entanto, o problema do Brasil já deixou de ser apenas quem vence as eleições de domingo. O problema, diz Gustavo von Ha, é que mesmo que Haddad vença no domingo o clima crispado está instalado no país desde os primeiros protestos contra o aumento de 20 centavos nos transportes de São Paulo, rampa de lançamento para movimentos de extrema-direita como o MBL (Movimento Brasil Livre). O problema é que, mesmo Haddad vencendo no domingo, o discurso de ódio disseminado nos últimos meses, a ascensão da extrema-direita e a homofobia e o racismo declarados vão continuar muito presentes no Brasil. Como antes estavam, embora mais envergonhados. «Já não há como não ver tudo isso que veio à tona.», refere Gustavo von Ha.