Mal-estar entre Polícia e MAI agrava-se

A polémica da divulgação de fotografias dos arguidos na semana passada parece não ter fim à vista. «Só comentamos quando se souber o que aconteceu», diz principal sindicato

A polémica da divulgação das fotografias da detenção dos três arguidos que fugiram das instalações do Tribunal do Instrução Criminal (TIC) do Porto não se ficou pela semana passada e, esta semana, continuou a dar frutos. O protagonista voltou a ser o Sindicato Unificado da Polícia de Segurança Pública (SUPSP), que desta vez divulgou no Facebook a fotografia não de um arguido, mas sim de um polícia que terá sido agredido – recorde-se que inicialmente, antes de chegarem à comunicação social, foi este o sindicato que divulgou as fotografias dos três suspeitos. Na publicação, o agente aparece fardado do lado esquerdo e, do lado direito, deitado numa maca com o que se supõe ser o nariz partido. A acompanhar as fotografias, uma legenda dirigida mais provavelmente a Eduardo Cabrita, ministro da Administração Interna: «Para os defensores dos direitos, liberdades e garantias, isto é apenas o risco da profissão. Sabem qual o único dado inalienável da Constituição? Espera-se uma reação do senhor Ministro, já sabemos que ser polícia é ser cidadão de terceira».

Depois da publicação das fotografias dos três detidos, durante o último fim de semana Eduardo Cabrita reagiu e a polémica adensou-se. «Só há um inquérito, que é aquele que eu determinei à Inspeção-Geral da Administração Interna, que realizasse por um lado às circunstâncias daquilo que terá sido uma falha de segurança – felizmente corrigida com a detenção em 24 horas dos indivíduos -, mas também àquilo que é absolutamente inaceitável, que é a publicação de imagens que não correspondem à forma de atuação da polícia portuguesa», esclareceu na altura o ministro, enquanto visitava o concelho da Marinha Grande depois da tempestade Leslie. As palavras do ministro, das quais se depreende que Cabrita considera os agentes os responsáveis pela divulgação das fotografias, criaram um clima de mal-estar na classe e as reações não tardaram a chegar. Primeiro, foi o Sindicato Vertical de Carreiras da Polícia, que respondeu às palavras do ministro publicando no Facebook fotografias de alegadas vítimas dos assaltos realizados pelo grupo de três homens junto de uma fotografia do ministro, com a legenda «Por favor, Sr. Ministro do MAI, Srs da Amnistia Internacional, Sr.ª Câncio e todos os demais….indignem-se» – fotos essas que se veio a apurar serem de vítimas britânicas e que nada têm a ver com Portugal e o caso em apreço dos três agressores. Um dia depois, na segunda-feira, a polémica extrapolou a PSP e a Associação Sócio-Profissional Independente da Guarda (ASPIG/GNR), «solidária com os profissionais da PSP», veio mesmo dizer em comunicado que «não fica indignada com as fotografias, expostas publicamente, pois considera que os criminosos – nelas identificados como tal – não são merecedores do mesmo respeito e consideração, por parte do Estado e da comunidade, atribuídos ao cidadão comum».

Mais tarde, na terça-feira, o ministro voltou a pronunciar-se sobre a controvérsia, desta feita durante uma visita à Grécia. «As forças de segurança portuguesas são forças do Estado de Direito e das liberdades e por isso têm de ser defendidas» de casos que possam pôr em causa a sua imagem.

Ao SOL, o presidente do sindicato da polícia com mais associados – 7392 (e 111 dirigentes), de acordo com os dados mais recentes, referentes a março deste ano e noticiados pelo DN -, a Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP) disse não querer comentar a polémica «porque é um assunto que está em inquérito. Só comentaremos a questão depois de se perceber o que se passou». Paulo Rodrigues lamenta, contudo, a posição de Eduardo Cabrita no caso. «Perante o que foi um sucesso no nosso entender – e foi um sucesso porque houve profissionais que, mesmo estando de folga e mesmo não tendo sido chamados a participar na operação, ofereceram-se ao serviço para ajudarem -, estávamos à espera que o senhor ministro tivesse uma palavra para com a operação», até porque, considera o presidente da ASPP/PSP, «não há informações sobre quem publicou as fotografias».

Paulo Rodrigues quer reforçar a indignação que impera na classe: «Os polícias não se vêm respeitados nos seus direitos» e «tem de se olhar para estes profissionais de outra forma». Por isso, saíram mais uma vez à rua, na quinta-feira, para uma manifestação que reuniu várias forças de segurança. À PSP juntou-se a GNR, o SEF, a polícia Marítima, a ASAE e os guardas prisionais. A ação de protesto teve um ponto quente, quando os manifestantes derrubaram grades de proteção e ameaçaram invadir o Parlamento. 

Diga-se que as palavras do ministro relativas à polémica das fotografias só vieram, de resto, intensificar o descontentamento da classe.

16 sindicatos para tantas folgas

Na controvérsia das fotografias estiveram, para já, envolvidos apenas dois sindicatos da PSP: o Sindicato Unificado da Polícia de Segurança Pública (SUPSP) e o Sindicato Vertical de Carreiras da Polícia – com 1411 e 382 associados, respetivamente, e 106 e 54 dirigentes cada um. Mas a PSP tem mais 14 sindicatos, sendo um dos setores com mais estruturas sindicais e que, mesmo entre os polícias, não é visto com bons olhos. O regime sindical da PSP, como lamentou Paulo Rodrigues no final do ano passado em entrevista ao jornal i, permite a cada dirigente «quatro dias mensais de dispensa para atividade sindical». E o número de dirigentes não é pequeno: entre os sindicatos com maior número de dirigentes, contam-se 316 na Organização Sindical de Polícias (com 451 associados), 176 no Sindicato independente Livre da Polícia (250 associados), 111 na ASPP (7392 sócios) e 111 no Sindicato de Polícia Pela Ordem e Liberdade (284 sócios).

Mas os números também impressionam em alguns dos restantes sindicatos. O Sindicato Unificado da Polícia de Segurança Pública tem 106 dirigentes para 1411 sócios, seguido dos Sindicato dos Profissionais de Polícia – 87 dirigentes para 2010 sócios. Já o Sindicato Nacional da Polícia tem 82 dirigentes, para 1079 associados, enquanto a Associação Sindical Autónoma de Polícia conta com 68 dirigentes para 382 sócios, a Federação Nacional dos Sindicatos de Polícia tem 42 dirigentes para nenhum sócio, o Sindicato Nacional de Carreira de Chefe da PSP tem 37 dirigentes para 285 associados, o Sindicato de Agentes de Polícia da Polícia de Segurança Pública tem 29 dirigentes para 115 sócios, o Sindicato dos Polícias do Porto tem 24 dirigentes para 24 sócios, a Associação Sindical de Oficiais de Polícias tem 23 dirigentes para 175 associados e finalmente resta o Sindicato Nacional de Oficiais de Polícia, que tem 20 dirigentes para um total de 319 sócios.

‘Esta não é a minha Polícia’

A mais recente polémica a revoltar os polícias contra o seu ministro faz lembras outras que, no passado, estiveram na base de um clima pesado entre a tutela e a Polícia.

Uma das que ficaria para a história remonta a 1998, quando Alberto Costa era ministro da Administração Interna e estava empenhado numa reforma dessa força de autoridade,  sendo um dos objetivos reforçar a confiança do cidadão comum na Polícia, que não era vista na generalidade com bons olhos.

Nesse contexto, viria a ficar refém de uma frase que lhe foi atribuída e que ainda hoje é recordada: «Esta não é a minha Polícia».

A frase viria a dar título a um livro, publicado pelo ex-ministro em 2002, embora a mesma nunca tenha sido descoberta em nenhum discurso do ex-governante. Alberto Costa ficou, no entanto, para sempre como o ministro da Administração Interna que não gostava de polícias.