O amor das esquerdas a Cavaco

O grande argumento para condenar o livro de Cavaco Silva é a revelação de conversas privadas. Também eu, há dois anos, fui alvo de idêntica crucificação na praça pública por causa da publicação do livro Eu e os Políticos

A ESQUERDA em geral, e os socialistas em particular, caíram mais uma vez violentamente em cima de Aníbal Cavaco Silva, por causa do seu último livro Quinta-feira e Outros Dias (2º volume). Não foi novidade para ninguém: Cavaco é a ‘besta negra’ das esquerdas no pós-25 de Abril. 

Não esqueçamos as suas quatro vitórias, não só com maioria absoluta mas com mais de 50% dos votos, em quatro atos eleitorais. Cavaco venceu em 1997 as legislativas com 50,2% e em 2011 com 50,6%; depois ganhou as primeiras presidenciais (contra Mário Soares, Manuel Alegre, Jerónimo de Sousa, Francisco Louçã e Garcia Pereira, ou seja, a esquerda e a extrema-esquerda em peso), conseguindo ser eleito à primeira volta; e na reeleição bateu Manuel Alegre e os candidatos oficiais do PS e do PCP, fazendo-se eleger novamente à primeira volta. Nenhum político português tem este palmarés de vitórias.

 

O GRANDE ARGUMENTO para condenar o livro de Cavaco Silva é a revelação de conversas privadas. Também eu, há dois anos, fui alvo de idêntica crucificação na praça pública por causa da publicação do livro Eu e os Políticos. Devo dizer que, na altura, ponderei bastante sobre a revelação dessas conversas. Mas cheguei à seguinte conclusão: havia factos que só eu podia contar e que eram interessantes ou importantes para a história política portuguesa das últimas décadas. Se não os contasse, ninguém mais poderia fazê-lo. Por isso, decidi-me por avançar. De certa maneira, considerei que era ‘escrever para a História’.

Com o livro de Cavaco Silva, sucede o mesmo. Sem estas memórias, muitos factos ficariam para a eternidade na penumbra do esquecimento, sem serem narrados. Com a diferença de que Cavaco foi Presidente da República e eu um simples diretor de jornal… 

Acresce, como alguém notou, que estas conversas reveladas por Cavaco não são sobre assuntos pessoais, confidências de amigos ou conhecidos – são conversas sobre assuntos de Estado, com consequências nas nossas vidas e na história do país.

 

MAS, INDO MAIS LONGE, o que são os livros de memórias políticas senão revelações de factos novos e, muitas vezes, de episódios e conversas envolvendo terceiros? Sem isto, os livros de memórias não teriam interesse algum. Para dizerem o que foi público, o que já se sabe, não valeria a pena escreverem-se livros de memórias.

Poder-se-á dizer que é cedo. Que Cavaco Silva poderia ter esperado mais uns anos. Acontece que Cavaco não é novo. Tem já 79 anos. Ora, se tivesse de estar à espera 10 anos, 20 anos, para escrever estas memórias, provavelmente já não estaria em condições de o fazer. 

É certo que poderia deixá-las escritas para serem publicadas postumamente. Era uma hipótese. Eu próprio ponderei essa possibilidade. Só que, fazendo-o agora, Cavaco tem oportunidade de defender o livro caso outros o acusem de mentir ou de ser menos rigoroso. Estando vivo, Cavaco pode dizer: aqui estou eu a dar o corpo às balas para defender o que escrevi.

 

O ATAQUE das esquerdas a Cavaco Silva não tem tanto a ver com o livro do que com a animosidade, o quase ódio que os seus dirigentes e militantes votam ao autor. Invocam argumentos formais para fazerem ataques que decorrem de outra origem. Que transportam o ressabiamento de derrotas passadas e lutas políticas antigas. Porque, se fosse Mário Soares a escrever um livro de memórias semelhante (e que revelações ele fez em vida!), aposto que não haveria um único socialista a criticá-lo. Pelo contrário: os elogios choveriam de toda a parte. 

Nesse sentido, pode dizer-se que a máquina socialista de propaganda e contrapropaganda está muito bem oleada. Todos reagem em bloco. 

Já o mesmo não se pode dizer da direita, que para além de não ter máquina de propaganda não tem o mínimo de unidade, com cada um a falar por si. Mas assim é que está bem. A opinião deve sair de cada cabeça, não deve ser assumida em grupo e muito menos em matilha.