Viver ou recordar?

Há quem viva os momentos especiais através da lente de uma câmara. Tiram-se dezenas de fotos para depois se escolher a imagem perfeita

T erminámos cá em casa a maratona dos aniversários por este ano. Os últimos meses foram intensos e de há uns tempos para cá nestes dias especiais coloco-me uma questão: aproveito e participo na festa em pleno ou preocupo-me em tirar fotografias e fazer filmes para mais tarde poder reviver o momento?

Faz-me lembrar os tempos da faculdade em que ficava na dúvida se tirava apontamentos para poder estudar em casa ou se ouvia atentamente o professor. Sem dúvida que ouvir me dava maior prazer, até porque passar apontamentos é um trabalho automático em que o entendimento da matéria e reflexão são quase nulos. Ao mesmo tempo, imaginar um professor a debitar para dezenas de cabeças viradas para baixo concentradas numa folha de papel também era um pouco desconsolador. E se, por um lado, a matéria era melhor entendida, por outro regressava a casa sem recursos externos para a rever. Acabei por resolver o problema com apontamentos muito completos de uma amiga extremamente cuidadosa e assídua.

No mesmo sentido, nas festas de aniversário tenho optado por pedir a alguma das pessoas presentes que capte o momento de cantar os parabéns e apagar as velas. Não querendo ser ingrata, confesso que não tenho tido tanto sucesso como com os apontamentos… Talvez porque o meu objetivo e o do cameraman não sejam o mesmo – ainda assim prefiro ficar sem fotografias e com filmes menos bons do que não ter as mãos disponíveis para bater palmas ou abraçar quem é realmente importante.

Contudo tenho percebido que a maioria das pessoas não pensa da mesma maneira. Se antigamente se tirava algumas fotografias dos principais acontecimentos – mas de forma comedida, até porque as revelações eram caras – agora parece que necessitamos de uma memória externa para assegurarmos um backup da nossa vida, ou seja, a nossa cópia de segurança. Aquilo que guardamos na lembrança não é suficiente e sobretudo não é partilhável. Pelo menos em imagens reais. Com a facilidade que há em tirar fotografias com um simples telemóvel, aparentemente a custo zero, há quem viva os momentos especiais atrás da lente de uma câmara. As fotografias são às dezenas para depois se poder encontrar a imagem perfeita. Acabaram aquelas relíquias com membros fantasma, pouco nítidas, tremidas ou nas piores poses.

Todos conseguem ser fotogénicos depois de demasiados disparos. Mas estes disparos também têm um preço e podem ser fatais, no sentido em que matam aquele momento, que ainda que possa ser recordado e partilhado visualmente em redes sociais e afins, muitas vezes de uma forma idealizada, nunca chegou a ser vivido em pleno.

Na avalanche de fotografias de famílias perfeitas que surgem no Facebook entretenho-me sempre a pensar no antes e depois daquelas imagens. Essas fotografias sim, mereciam ser vistas e partilhadas, até porque fariam um retrato bem mais real dos protagonistas.