Manuel José Damásio. ‘Não faz sentido pensar num ensino superior à nossa dimensão’

Num ano em que se comemora os 20 anos da Lusófona, a estratégia continua a ser a da internacionalização. Só este ano Lusófona de Lisboa recebeu cerca de mil alunos estrangeiros.

Manuel José Damásio. ‘Não faz sentido pensar num ensino superior à nossa dimensão’

A Lusófona abriu há 20 anos. A matriz é a mesma do primeiro dia?

Os 20 anos correspondem ao calculo de uma data marcada a partir da publicação do diploma que autoriza a universidade, mas o projeto educativo que está na sua origem é anterior a essa data. Desde esse início até hoje há um conjunto de princípios centrais que se mantêm – uns têm uma raiz histórica, outros são fruto da evolução da realidade em Portugal. Quanto às de raiz histórica, a primeira tem a ver com a origem do ensino superior particular e cooperativo: quando este surge antes do 25 de Abril (de forma ténue) e depois mais tarde já com um estatuto definido, está associado às áreas tradicionais de formação, que normalmente as pessoas chamam áreas de lápis e papel (Direito, Gestão, História). A explicação para isso é que os professores que surgem nos primeiros estabelecimentos eram docentes que fruto do PREC são saneados do público e que criaram instituições privadas. É o caso da Universidade Livre. 

Não era o objetivo da Lusófona?

Não. Quando a Lusófona nasceu era para desenvolver um projeto educativo que não fosse fruto dos interesses dos seus criadores, mas que procurasse responder a necessidades específicas de formação e que extravasavam o domínio aqui de Portugal, que cumprissem um desígnio maior. E esse objetivo mantém-se exatamente igual – a formação de quadros no espaço lusófono. Este projeto cobriu por isso as áreas das engenharias, que praticamente não havia oferta no particular e cooperativo, a área da saúde, a área das artes, áreas onde tradicionalmente não havia oferta. 

E queriam atrair alunos ou instalar-se nos diversos países?

Os dois modelos foram tentados e hoje a Lusófona é uma realidade híbrida: por um lado temos nesses países estabelecimentos de ensino onde nós participamos de diferentes formas, é o caso do Brasil, Angola e Moçambique, e temos inversamente o modelo de atracão de alunos para Portugal. E tentamos trabalhar esses dois modelos.

Hoje, com uma oferta diversificada como é que tentam demarcar-se?

A seguir ao 25 de Abril houve um aumento da procura brutal e o Estado procurou no privado essa oferta – isso vai até ao início da década de 90. A seguir o Estado resolve que deve abarcar todo o sistema e nesse período assiste-se até ao surgimento dos politécnicos por todo o país. Começa a discutir-se depois se não se tem oferta a mais até à crise para aquilo que é a dinâmica de procura interna, uma discussão que se arrasta até à crise de 2010/2011. Nessa altura já o ensino particular e cooperativo que era mais ágil tinha visto que numa situação em que o Estado tendia a alargar a sua rede à quase totalidade da procura tinha de alargar um bocadinho o seu desígnio e é aí que entra a internacionalização. Hoje não faz sentido pensar num ensino superior à dimensão das necessidades do espaço geográfico em que se insere, por várias razões: a ciência é sem fronteiras, o desenvolvimento de competências também.

Qual é a dimensão da Lusófona?

Em 2017/2018  a Universidade Lusófona Lisboa representava 25% do subsetor particular e cooperativo, onde estão muitas instituições que têm apenas uma área de formação, são pequeninas, mas qualitativamente muito fortes. A Lusófona é diferente porque é multidisciplinar. A Lusófona em conjunto com a Católica Portuguesa, que tem vários polos regionais, representam 50% do mercado do ensino superior particular e educativo. Esta é a nossa realidade.  Quando falamos do Grupo Lusófona adicionamos outros estabelecimentos de ensino de menores dimensões, temos, por exemplo, uma instituição na área de Saúde. Mas só na Lusófona de Lisboa e Porto estamos a falar de 15 mil alunos. Destes 15 mil alunos, 20% são alunos oriundos de outros países de língua oficial portuguesa. A grande maioria, se calhar 70%, são brasileiros. A Lusófona em Lisboa admitiu esta ano nas licenciaturas cerca de mil alunos internacionais. Desses, dois terços eram brasileiros. A seguir um número muito significativo de angolanos e depois outros grupos – Cabo Verde continua a ter uma posição significativa. Notamos que nos últimos anos o número de alunos angolanos diminuiu, devido a dificuldades com as divisas, etc…

E alunos fora dos países da CPLP?

Temos uma realidade interessante, temos mais de 300 alunos nos mestrados europeus e aí temos casos absolutamente fascinantes. Temos uma aluna do Butão, temos alunos da Jamaica, temos muito alunos dos EUA. O que acho que é muito positivo estarmos a atrair alunos de um dos sistemas de ensino superior mais competitivos. Temos muitos chineses, temos muitos alunos oriundos da América do Sul que não Brasil – do Chile Colômbia e Argentina. Temos também muitos alunos oriundos da Europa – Polónia, Hungria e República Checa. E ainda muitos Belgas. Onde é que ainda temos muita dificuldade em atrair alunos? Na Austrália e na Nova Zelândia. Temos apenas um aluno australiano.

Como é que muitos destes alunos chegaram à Lusófona?

Estes alunos dos mestrados europeus vêm através de um procedimento complexo. Estes mestrados são promovidos pela União Europeia e até nós temos alguma dificuldade em perceber como é que  chegaram até nós.

Quais os maiores desafios da Universidade até agora?

Os dois maiores desafios não são só nossos. O maior é uma instituição conseguir desenvolver-se num contexto de constante alteração do enquadramento legal e daquilo que é pedido às instituições. O segundo grande desafio é combater o preconceito de que o que é público é bom e o que é privado é mau – algo a que a Católica conseguiu fugir fruto do papel da Igreja Católica na sociedade Portuguesa. O preconceito estigmatizou e muito as instituições.

Mas do que correu mal o que é responsabilidade da universidade?

O principal erro é no privado não podermos escolher os nossos alunos, porque faz com que não tenhamos um planeamento de longo prazo. Nós todos os anos estamos completamente dependentes de quantos alunos vamos receber e se nós não conseguimos manter uma taxa de procura adequada pomos em causa a nossa existência.

A atual conjuntura angolana ditou um decréscimo de alunos, a conjuntura política brasileira vai significar um aumento?

Isso é um pouco futurologia. Os números de brasileiros em Portugal são impressionantes. Há uns anos no Brasil houve uma decisão política no Brasil péssima para Portugal e que afetou várias instituições de ensino superior, que foi o fim das bolsas do governo para doutoramentos em países de língua oficial portuguesa, fundamentalmente Portugal. 

Foi no início do governo de Dilma…

Sim, se o governo brasileiro pensava que os alunos iam todos para a Alemanha estava muito enganado. Mas para as instituições portuguesas teve um impacto. 

Quais os próximos desafios para a Lusófona?

São gigantescos. E são de curto médio prazo. As instituições de ensino superior e a Lusófona têm três objetivos muito claros: investigação, sustentabilidade e responsabilidade social e massa crítica, como é que a instituição continua a crescer de forma sustentável. Porque uma instituição que atinge esta dimensão tem o desafio permanente de não dar o tombo, suportar e manter a sua massa crítica. E para isso temos de continuar a crescer.