O que acontece aos meninos que se portam mal

Para quem só conhece o filme da Disney ou versões adaptadas, a leitura do texto original de Pinóquio pode revelar-se uma verdadeira caixinha de surpresas. Porquê? Porque, embora se trate de uma história infantil impregnada de maravilhoso, está também cheia de momentos tristes e perturbadores. Não é caso único – basta pensar nalguns contos dos…

Para quem só conhece o filme da Disney ou versões adaptadas, a leitura do texto original de Pinóquio pode revelar-se uma verdadeira caixinha de surpresas. Porquê? Porque, embora se trate de uma história infantil impregnada de maravilhoso, está também cheia de momentos tristes e perturbadores. Não é caso único – basta pensar nalguns contos dos irmãos Grimm -, ainda assim as crueldades a que o pequeno boneco de pau é sujeito fazem impressão até a um adulto, quanto mais a uma criança…

Nas últimas semanas, lá em casa, temos lido um capítulo por noite aos nossos filhos antes de irem para a cama. Mas por mais de uma vez tive de assumir o papel de censor e omitir uma ou outra passagem por achá-la pouco recomendada para menores de dez anos. Temi que a leitura, em vez de os acalmar, pudesse causar-lhes pesadelos.

Se não vejamos. Por causa da sua desobediência, Pinóquio é pendurado num prego, ameaçado de ser usado como lenha, roubado, perseguido por assassinos, enforcado num ramo de carvalho e até preso a uma coleira e obrigado a ladrar como um cão de guarda. A certa altura, estando doente, chegam a entrar-lhe pelo quarto adentro «quatro coelhos negros como o carvão, que traziam aos ombros um pequeno caixão» para levarem o corpo. Quando finalmente uma fada lhe anuncia que irá cumprir o seu desejo e transformá-lo numa criança de verdade, Pinóquio volta a desviar-se do caminho e passa um mau bocado: é aí que lhe crescem as orelhas e uma cauda e se metamorfoseia num burro. Ainda não é tudo. Acaba comprado por um homem que quer tirar-lhe a pele para fazer um tambor. «Levou o burrico para a falésia junto ao mar; pendurou-lhe uma pedra ao pescoço, amarrou-o por uma pata com uma corda que segurava na mão e, de repente, deu-lhe um empurrão atirando-o para a água».

Claro que todas estas desventuras e patifarias têm um propósito moralizante. Servem para dizer às crianças: ‘É isto que acontece aos meninos que se portam mal’. Mas não deixará os pequenos leitores (ou ouvintes, no meu caso) traumatizados? Do que sei sobre a forma como funciona a imaginação das crianças, acredito que sim.

Embora se tenha tornado a obra graças à qual o seu nome passou à posteridade, Carlo Collodi não gostava de Pinóquio. Achava-o talvez uma obra menor quando comparado com os seus outros trabalhos enquanto jornalista, romancista e dramaturgo.

O que faz lembrar o que compositor Piotr Tchaikovsky sentia acerca de uma das suas mais populares obras-primas, o bailado O Quebra-Nozes. Que se estreou dez anos depois da publicação do livro de Collodi e também conta a história de um

boneco de madeira que se transforma num soldado de carne e osso. Mais: tal como o quebra-nozes, também o Pinóquio deve o seu nome a um fruto seco, o pinhão. E ainda dizem que não há coincidências.