Banhos de ética é deitar fora os amigos

No dia em que o político muda o discurso conforme as circunstâncias, o povo perde-lhe o respeito. E a perceção de que há filhos e enteados é o bastante para romper o laço que une representantes e representados.

Amigos são o pior que um homem ou mulher políticos podem ter. Os amigos são os calcanhares de Aquiles dos políticos. Um político moderno sabe, devido ao intenso escrutínio mediático e democrático a que está sujeito, que tem de construir uma carreira impoluta porque, caso contrário, não chega ao topo. E, por topo, quero dizer presidente de um grande partido, primeiro-ministro, presidente da Câmara de Lisboa ou do Porto.

Mas se um político que ambiciona esses lugares escolhe para si essa vida e age em conformidade com ela, não pode esperar que haja uma dúzia ou duas de políticos que se tenham sujeitado à mesma via sacra de impedimentos, incompatibilidades e exigência ética. Quando escolhe essa dúzia de pessoas para o acompanharem na conquista do poder, e mais tarde na governação da coisa pública, não pode esperar delas o mesmo grau de limpeza e transparência.

Assim sendo, o candidato a presidente de um partido – ou a qualquer outro lugar de grande importância política – só tem de explicar a quem convida que, à mínima falha, o deixará cair sem apelo nem agravo. Os amigos são quase sempre as pedras que arrastam os políticos para o fundo. Embotam-lhes a vista, amolecem-lhes o coração, roubam-lhes o discernimento.

No dia em que o político muda o discurso conforme as circunstâncias, o povo perde-lhe o respeito. E a perceção de que há filhos e enteados é o bastante para romper o laço que une representantes e representados.

Um candidato a primeiro-ministro, um primeiro-ministro, tem deveres em relação aos interesses do Estado, do país, do partido a que preside – não os tem relativamente a amigos, nem a interesses particulares. Não pode ter dois pesos e duas medidas, nem humores. 

Catarina Martins desgraçou-se mal as primeiras notícias de Ricardo Robles apareceram. Primeiro fez de conta que não tinha acontecido; depois declarou que era uma cabala jornalística, defendendo a vítima… até à inexorável renúncia. Num partido que sempre tinha apregoado a superioridade moral, foi fatal: perdeu um quarto do eleitorado e em Lisboa foi dizimado. Vão passar-se anos até que as pessoas voltem a confiar no BE. 

Rui Rio apresentou-se ao PSD a prometer um banho de ética. O primeiro caso grave que teve de enfrentar foi o de Feliciano Barreiras Duarte. Durante dois longos dias ignorou olimpicamente o assunto, depois menorizou o caso, deu apoio ao visado (o qual ia publicamente dando explicações cada vez menos consistentes), até que a demissão se tornou inevitável. Mas durante oito dias o PSD foi cozido em fogo lento, com danos de reputação tremendos. 

O caso José Silvano ameaça tornar-se igual: dois dias de silêncio, depois reiterar a confiança, ao mesmo tempo que o secretário-geral vai dando explicações pouco consistentes na praça pública. Enquanto isso, o PSD coze em fogo lento.

Eu gosto de Rui Rio, tenho-o na conta de um homem sério e rigoroso, gostava que fosse o próximo primeiro-ministro, e só lhe peço que levante a tampa do ralo e deixe os amigos irem com a água do banho. 

sofiarocha@sol.pt