Europa. Extrema-direita escolhe o terror

No espaço de uma semana a polícia descobriu dois planos da extrema-direita para assassinar líderes europeus. Será este o princípio de uma vaga de violência política na Europa?

Eram dez e reuniam-se regularmente para definir objetivos e ações. Tentavam arranjar armas e davam cursos de sobrevivência e combate. Tinham apenas um objetivo: combater o Islão. Começaram a planear massacres de muçulmanos por toda a França. Chegaram até a testar explosivos, mas foram detidos pela polícia francesa, que encontrou na sua posse 14 pistolas, 22 espingardas automáticas, centenas de balas e explosivos. Chamam-se Ação das Forças Operacionais e são de extrema-direita. Podia ser apenas um caso isolado, mas é um dos mais recentes exemplos de uma nova tendência entre a extrema-direita europeia: já não são apenas lobos solitários a planearem atentados terroristas, mas grupos organizados. Não têm apenas como alvo minorias (negros, muçulmanos) ou militantes de esquerda, mas também chefes de Estado e de Governo.

«Antes, a ameaça da extrema-direita não estava organizada», diz ao Financial Times Mark Rowley, antigo diretor da unidade de contraterrorismo da Polícia Metropolitana britânica, refletindo sobre a nova tendência da extrema-direita europeia. «De vez em quando havia um indivíduo motivado por aquela retórica que cometia um ato terrorista, mas não tínhamos uma ameaça de extrema-direita organizada como temos agora».

Em 2017, o relatório Terrorism situation and trend da Europol registou que o número de indivíduos detidos por crimes de extremismo de direita quase duplicou em relação a 2016, com 20 pessoas detidas, a maioria (15) em França. Dessa vintena, 16 preparavam um ataque, três cometeram um e uma por incitar ao terrorismo. Se comparado com atentados de extrema-esquerda ou jihadistas, o número é bastante inferior, com 705 suspeitos de jihadismo detidos e 36 anarquistas. 

Todavia, as autoridades europeias estão preocupadas com o número de crimes de extrema-direita, incluindo atentados. A tendência está a aumentar por causa de um ambiente de ódio nas redes sociais e uma perigosa política populista de extrema-direita, bem como pela desigualdade económica, imigração e insatisfação com as elites liberais e instituições. 

Violência intrínseca ao fascismo

A extrema-direita sempre teve uma forte relação com o militarismo, formando grupos paramilitares. «Não há fascismo sem violência e a violência é intrínseca ao fascismo», disse o historiador Manuel Loff em entrevista ao i. As SA de Adolf Hitler e os Camisas Negras de Benito Mussolini são dois dos mais evidentes exemplos. Décadas de marginalização, com as suas lideranças a entrarem e a saírem da prisão, os vários grupos de extrema-direita sempre tiveram dificuldade em se organizar por estarem muitas vezes sob o olhar atento das autoridades que, por vezes, criavam grupos de fachada para atraírem e deterem os seus elementos mais extremistas. O grupo National Action britânico estudou o grupo alemão de extrema-esquerda Baader-Meinhof e o IRA irlandês para se desenvolver, segundo Matthew Collins, da campanha Hope Not Hate. «Começaram como escoteiros malcriados, mas tiveram uma grande cisão em 2016», disse Collins ao Guardian. «Um grupo separou-se dizendo que estavam a agir, a falar e a serem apelidados de terroristas». 

A tendência tem um desenvolvimento desigual conforme o sucesso da extrema-direita na sociedade. Soube-se esta semana que a polícia catalã deteve um militante de extrema-direita, de 63 anos, que planeava assassinar o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, em represália por o seu Governo querer exumar os restos mortais do ditador Francisco Franco do monumento do Vale dos Caídos. O homem já tinha dirigido ameaças ao líder político, mas tudo mudou quando, num grupo de WhatsApp, explicou o seu plano para matar Sánchez. Um membro do grupo denunciou-o às autoridades, que o detiveram de imediato. Em sua casa encontraram 16 armas, entre as quais uma espingarda automática e metralhadoras modificadas. A polícia concluiu que o homem, segurança privado de profissão e vencedor de competições de tiro, tinha todas as capacidades para ser bem-sucedido. Ficou em prisão preventiva. 

Em França, com a ascensão das forças de extrema-direita e crescente normalização do discurso de ódio, a situação está mais avançada – já não são apenas lobos solitários. A polícia francesa deteve na semana passada seis militantes de extrema-direita que planeavam assassinar o presidente francês, Emmanuel Macron. Em julho de 2017, um outro militante de extrema-direita, de 23 anos, já tinha sido detido e acusado de planear o assassinato do chefe de Estado francês no Dia da Bastilha. O jovem queria ainda matar todos os «muçulmanos, judeus, negros e homossexuais», revelou fonte próxima da investigação ao Guardian.

Sinal destes tempos: o número de atos antissemitas em França subiu 70% nos primeiros nove meses de 2018, quando nos últimos dois anos a tendência era de recuo. 

Na Alemanha, seis militantes de extrema-direita, entre os 28 e 30 anos, decidiram organizar-se para formar um grupo paramilitar com vista a atacar figuras políticas e funcionários públicos, o Revolução Chemnitz. O catalisador foi a perseguição de imigrantes nas ruas de Chemnitz poucas semanas antes. Mais de 100 polícias, incluindo unidades de intervenção, avançaram contra o grupo, detendo os seus elementos. «Com base na informação que temos até ao momento [1 de outubro], os suspeitos pertencem a claques e a grupos de skinheads e neonazis na área de Chemnitz e consideram-se figuras importantes no movimento de extrema-direita na Saxónia», explicou a procuradoria alemã em comunicado. 

Os lobos solitários 

Um dos primeiros grandes atentados de extrema-direita a chamar a atenção internacional foi o cometido pelo norueguês Anders Breivik, na Noruega, em 2011, causando a morte a 77 pessoas, na sua grande maioria jovens militantes do Partido dos Trabalhadores. Foi caracterizado como lobo solitário, mas o termo, argumenta Paul Jackson, da Searchlight, organização que monitoriza a extrema-direita, pode ser enganador. «Na realidade, os atacantes violentos motivados por ideias de extrema-direita não são solitários, mesmo que levem a cabo ataques violentos sozinhos. São o produto de um meio extremista muito mais alargado. O ato de violência política é apenas a ponta do icebergue que os levou a esse ponto», escreveu Jackson. «Os apelidados lobos solitários são tipicamente ajudados e encorajados por um movimento muito mais alargado que desempenha um papel crucial na radicalização do indivíduo», acrescentou. Breivik, por exemplo, teve contactos com a Liga de Defesa Britânica nos meses anteriores ao ataque.  

«Ironicamente, enquanto os islamistas e a ideologia de extrema-direita possam parecer estar em cantos opostos do argumento, é evidente que ambos têm muito em comum», afirma Rowley. Alguns grupos sofrem dinâmicas de grupo que os afasta dos ideais neonazis, como explica Collins, mantendo uma visão racista da sociedade, mas tornando-se «niilistas por, em parte, ficarem tão obcecados pelo terror e secretismo».